Crítica: Castle Rock, de Stephen King, surpreende e é uma das melhores séries do ano

Castle Rock entende e respeita a obra de Stephen King. Com isso, é indispensável aos fãs e altamente recomendada a quem não conhece o autor.

Imagem: Hulu/Divulgação
Imagem: Hulu/Divulgação

Adaptação de Castle Rock, de Stephen King, é produzida pelo Hulu

De todas as adaptações feitas com base nas histórias de Stephen King, poucas são as que entendem os objetivos do autor, como acontece em Castle Rock.

O próprio King afirma que muitas das adaptações de suas obras dão errado porque os escritores e diretores se preocupam com coisas erradas. Mais com os elementos sobrenaturais do que com os seres humanos criados com esmero em uma cuidadosa prosa. Pois a riqueza de King não está nos fantasmas, vampiros, lobisomens e demônios, mas no sujeito comum, no americano aparentemente tranquilo, cheio de assombrações internas.

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É por isso que os melhores filmes baseados em histórias de Stephen King são aqueles que focam nas pessoas e nas relações entre elas. Rob Reiner e Frank Darabont são dois que entendem o que o autor quer realmente dizer. O Nevoeiro, por exemplo, tem várias criaturas e uma quantidade considerável de sangue, mas sua força vital reside na construção gradual daqueles personagens presos em um supermercado. O poder de John Coffe em À Espera de um Milagre é lindo, beirando o sobrenatural, mas é a relação entre guardas, prisioneiros e um rato que faz do longa-metragem uma obra inesquecível.

Para uma adaptação fiel, portanto, não é preciso que se transponha cada linha do livro para as telas, embora isso funcione muitas vezes. Castle Rock, por exemplo, não é baseada em nenhuma histórica específica, mas em uma ideia, um conceito. A série não bebe direto na fonte dos personagens ou das tramas, mas se alimenta daquilo que há entre tudo isso, da cola que mantem todas as coisas unidas. Desta forma, Castle Rock é uma das adaptações mais fieis da obra de Stephen King, mesmo que não se baseie em nenhuma. 

O tempo e o espaço

Ambientada na célebre Castle Rock, ambiente de várias histórias do autor, a série nos apresenta a Henry Deaver, um advogado que, retornando à sua cidade natal, vai ao encontro de um prisioneiro depois que este é encontrado em uma jaula e diz seu nome, como em um pedido de socorro. Henry descobre aos poucos porque o sujeito, conhecido por The Kid, estava preso daquela forma e isolado de tudo e de todos: aparentemente, o homem é o mal em pessoa. Por onde passa, o caos e a morte se instalam, e ele talvez seja a explicação para tantos problemas que acometem Castle Rock há anos.

Castle Rock faz um belíssimo trabalho de ambientação, criando uma cidade tomara por cores frias, numa paleta dessaturada sufocante. Há, nas ruas e casas da cidade, uma sensação de perigo latente, além de uma curiosa dose de nostalgia impregnada no cenário quase anacrônico. A trama se passa em 2018 e 2019, mas poderia ser qualquer período dos últimos trinta anos. Castle Rock, a cidade, parece ter parado no tempo e no espaço, e essa riquíssima construção do espaço ajuda o público a entender e a entrar naquele universo.

Para os fãs de King, é fácil encontrar diversos elementos familiares. Quem conhece sabe que o autor tem uma digital: seus diálogos são muito particulares, construídos de forma única. Sua escrita é tão forte que nem as diferentes traduções realizadas nas últimas décadas puderam transformar suas palavras. Os personagens de King falam de uma forma muito específica e se relacionam de um modo bem definido, e os roteiristas da série souberam passar isso para a série de forma eficiente.

O mal nosso de cada dia…

Castle Rock, a série, é tão fiel e seus roteiristas tão respeitosos que os próprios vícios e manias do autor estão impregnadas nas cenas e palavras. E não entenda isso como um defeito: os criadores do show conhecem tão bem o material que usam estes vícios à favor da trama, e quase como se fossem homenagens. É sabido, por exemplo, que King não se importa em escrever finais bem amarrados ou auto-explicativos. Não que o autor não saiba criar finais; ele simplesmente não liga. Para ele, é melhor desenvolver um boa e longa história, seja em vinte ou mil páginas, do que finalizá-la da forma mais clara ou óbvia.

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A série faz o mesmo que o mestre faz nos livros: desenvolve e traz novos elementos e acontecimentos até o último minuto, mas não finaliza quando o tempo chega ao fim. Há, sim, um desfecho; a história da primeira temporada acaba, e não mais nada para se contar. A questão é que algumas coisas ficam suspensas ou simplesmente fogem do encerramento tradicional. Não há a batalha final, mas há catarse. Não há uma grande reviravolta, mas um final cheio de significados. Muitos criticaram o final por trazerem certo personagem agindo de forma “mesquinha” e até mesmo violenta. Não percebem, contudo, o que o mesmo personagem falara minutos antes: muitos dizem que a cidade “faz” com que as pessoas sejam ruins; no fundo, entretanto, o mal talvez sempre estivera no coração de cada um.

E é aí que a série cresce ainda mais, seja como produto independente ou conectado ao universo de Stephen King: ela entende, assim como as histórias do autor, que o mal não está no bicho-papão dentro do armário, mas dentro de cada um de nós. O mal não estava apenas nos corredores do Hotel Overlook, mas no coração de Jack Torrence. Pennywise não agia gratuitamente, ele habitava espaços e se alimentava justamente da maldade dos seres humanos. No fim, os monstros são apenas um artifício para revelar os verdadeiros monstros do mundo: nós mesmos.

Antes de ir 1

Castle Rock é altamente recomendada para os fãs de Stephen King, mas também é obrigatória a todos que gostam de uma boa série de TV. Entretenimento de primeira, repleto de easter eggs e grandes atuações.

Antes de ir 2

Por falar em atuações, o elenco do show é fantástico. Espere para ver Sissy Spacek, no mínimo, indicada ao Emmy do próximo ano. Sua atuação no episódio The Queen, um dos melhores do ano, é sublime.

Antes de ir 3

Tecnicamente a série é irrepreensível: da direção à fotografia, passando por uma trilha imersiva e uma direção de arte preocupada não só em criar o cenário mais crível, mas também o mais divertido para os fãs do escritor.

Antes de ir 4

A próxima temporada terá uma história totalmente nova. Veríamos o Hotel Overlook? Acompanharemos Jackie Torrence? Parece divertido.

Antes de ir 5

Faremos um post especial explicando tudo o que vimos na primeira temporada. Ficou confuso? Perdeu alguns easter eggs? Fique ligado, pois em breve teremos um texto completo pra você.

Leia também: Os pesadelos e passagens de Stephen King

Sobre o autor
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Matheus Pereira

Jornalista, curioso e viciado em cultura. Escreve há quase 10 anos no Mix e Six Feet Under é sua série favorita.

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