Crítica: True Detective retorna à boa forma em estreia impecável

True Detective, um dos grandes projetos da HBO, retorna com tudo em uma estreia impecável e imperdível.

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Imagem: HBO/Divulgação

True Detective retorna em grande estilo

Depois de ter se consolidado como um dos melhores drama da televisão americana contemporânea, numa carreira meteórica, True Detective chegou ao segundo ano rodeada de expectativa. O tombo foi grande, apesar da continuação não ser tão ruim como muito afirmam. O hype do projeto criado por Nic Pizzolatto esfriou e pôs em dúvida o futuro do programa. Mais de três anos após o lançamento da segunda temporada, a HBO lança a terceira parte de sua antologia. Na linha de frente do elenco está Mahersala Ali; na produção e nos roteiros retorna Pizzolatto, agora com a ajuda do genial David Milch, uma das joias do canal.

E a despeito do que pôde ser visto na première da terceira temporada, True Detective parece ter retornado à boa forma. Numa estreia sólida, Pizzolatto estabelece três linhas temporais, uma porção de personagens, um mistério e uma série de divagações filosóficas. Em análise primária, o terceiro ano é um retorno às origens. Lembra o que fez o produto ser tão respeitado e cult. Mas o novo ano é um animal diferente. Uma espécie de reinterpretação daquilo que deu certo na primeira temporada. A estrutura é semelhante e mesmo o cenário bucólico é próximo daquele visto no mistério inicial. A diferença é que agora as coisas parecem mais palpáveis.

Crime, filosofia e detetives em uma mistura mais acessível

Não que o show tenha se tornado simplório ou acessível às massas. É notável, contudo, a tentativa de Pizzolatto em tornar sua narrativa mais palatável. A filosofia está lá, bem como os diálogos e suposições que parecem não ter sentido ou rumo. Tudo parece mais claro, entretanto. Na segunda temporada, tínhamos a clara sensação de estarmos sendo enganados e confundidos de propósito pelo criador. Agora, temos uma dose menor de estranheza e prolixidade e uma tentativa mais assertiva de se chegar a uma concretude.

Pizzolatto não faz muita questão de facilitar a vida do espectador. Entretanto, é possível sugerir que o roteirista tenha aprendido a lidar melhor com o formato televisivo, suas ideias e o próprio ego enquanto artista. Trata-se de uma terceira temporada mais ciente e mais simpática, o que a aproxima do público. Desta vez, temos não duas, mas três linhas temporais; todas elas importantíssima para o quadro geral. Em 1980 temos o início do caso, com o desaparecimento de duas crianças. Em 1990 temos um acontecimento surpreendente que revive o caso. Em 2015 vemos a versão idosa do protagonista dando uma entrevista ao que parece ser um documentário sobre crimes reais.

Pizzolatto claramente se inspira do caso dos “três de West Memphis” para articular algumas de suas ideias. O desaparecimento das crianças, a acusação de jovens culturalmente deslocados e o desespero de uma pequena cidade são referência fortes ao famoso caso amplamente desenvolvido em documentários como Paradise Lost West of Memphis. Ainda que não tenha feito aqui, tudo indica que os roteiros abordarão a questão do preconceito de raça, classe e cultura, elementos que explodiram no caso real de Memphis.

Espaço e detalhes: a riqueza de True Detective

Para estabelecer todas as camadas e segredos da temporada, o diretor Jeremy Saulnier faz um excelente trabalho ao focar as trivialidade do cotidiano e do caso. Ao falar, em 2015, sobre os acontecimento de 1980, a primeira coisa que Wayne (Ali) lembra é da lua cheia e do fato do ator Steve McQueen ter morrido naquele dia. Não são informações importantes para o mistério central, mas ajudam a formar o quadro. São os detalhes, afinal, que preenchem uma lembrança. Apesar do elemento central estar vívido na memória, são os detalhes que os tornam reais. Com isso, Saulnier é meticuloso ao estabelecer a trama não só num período de tempo, mas num espaço.

Não espere a mesma nostalgia colorida e referencial aos anos 80 como em Stranger Things. A paleta aqui é sem saturação e a paisagem é quase desértica. O eixo central e o que nos carrega pelas linhas temporais e pelos espaços é Wayne, o detetive de Ali. E o mistério fica ainda mais excitante quando percebemos duas coisas: Wayne é o mistério e não estamos vendo exatamente o que aconteceu de verdade, mas o que Wayne lembra, do jeito que ele lembra ou quer lembrar. Para completar, a versão mais velha do detetive sofre de Alzheimer, o que injeta uma dose extra de dúvida e curiosidade.

Retornos triunfais de série e canal 

Neste aspecto, vale elogiar fervorosamente a atuação de Mahershala Ali, que domina a tela e o texto. As três versões do personagem trazem nuances diferentes que compõem um ser humano complexo e interessante. Percebe-se, pela composição do ator e pelo roteiro sutil de Pizzolatto, que cada versão do detetive é consideravelmente diferente da anterior. Se na versão mais nova o sujeito afirma não queres trazer uma esposa e filhos ao seu universo deprimente, na mais antiga vemos um senhor grisalho se emocionar ao falar de sua família. Como habitual no universo de True Detective, é nos detalhes que se encontra a riqueza do personagem.

Ao fim, com o mistério estabelecido e uma série de possibilidades e questionamentos à frente, True Detective parece ter retornado à boa forma. É um primeiro passo importante para a série e o canal, que precisavam muito de um sopro de autoestima. É o ponto de partida do que parece uma ótima temporada para o programa e um ano imperdível para a HBO, que ainda conta com a temporada final de Game of Thrones, as estreias de Watchmen Chernobyl e o retorno de Big Little Lies e o filme de Deadwood, curiosamente escrito por David Milch com a ajuda de Nic Pizzolatto. O melhor canal está de volta e uma de suas melhores séries também.

Sobre o autor
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Matheus Pereira

Jornalista, curioso e viciado em cultura. Escreve há quase 10 anos no Mix e Six Feet Under é sua série favorita.

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