Crítica: 4ª temporada de Veronica Mars patina entre a nostagia e a falta de aprofundamento
Crítica da quarta temporada de Veronica Mars, produzida pelo Hulu.
Veronica Mars esteve menos Veronica Mars
Toda vez que tocava “A long time ago, we used to be friends”, já sabíamos que era de Veronica Mars. Essa, sem dúvidas, era uma das melhores partes da semana. Porém, o drama teen sempre teve uma trajetória conturbada, sendo cancelada duas vezes. Uma, com o fim de seu canal original UPN, que se fundiu com a WB para formar a CW. Na segunda vez, em 2007, logo após ficar apenas uma temporada na CW. Na ocasião, Veronica Mars fora encerrada sem um final digno, de forma abrupta. E foi preciso anos para que o público visse uma finalização decente: em 2014, através de fundos, o criador Rob Thomas conseguiu produzir um filme de 2 horas, distribuído pela Warner Bros. Assim, os fãs da série descansariam em paz… ou não.
No ano passado, o Hulu – famoso streaming norte-americano – anunciou que havia adquirido os direitos da série de TV e, além disso, iria produzir novos episódios. Após a recepção positiva do longa metragem, o público só teve o que comemorar.
Pois bem, chegamos à tão esperada parcela de novos episódios. Foram oito, no total, responsáveis por resgatar Veronica Mars do mundo dos mortos, mais uma vez.
Trama despertou curiosidade
É sempre interessante assistir personagens que conhecemos adolescentes transformarem-se em adultos. Quando assistimos à série pela primeira vez, em 2004, Veronica era apenas uma adolescente charmosa e inteligente, que fornecia o ingrediente principal para o clima noir que a série tinha. Agora, ela já passou da casa dos 30. É uma mulher, comprometida com o que faz – mas que tem ainda a mesma determinação.
E ao assistir os dois primeiros episódios da nova temporada, algo de cara já chama atenção: a trama, sem dúvidas, é curiosa. Uma misteriosa explosão mata quatro pessoas em um hotel, no meio da alta temporada de férias. Um atentado que fez a Mars Investigation, no mínimo, sair da zona de conforto.
Começar a temporada com essa explosão destaca que Neptune não está bem das pernas. Há um assassino a solta, que não se importou nem um pouco de tirar a vida de inocentes. Veronica, assim, cai diretamente na investigação do atentado, principalmente por se ver envolvida com a filha do dono do hotel, morto na ocasião. Mais do que justiça, nossa heroína acaba adquirindo um senso pessoal para buscar descobrir quem é o terrorista.
A coisa esquenta de vez quando, sem esperarmos, mais bombas começam a explodir. Assim, o que era para ser um caso isolado torna-se uma investigação sobre um assassino em série. Mais empolgante, impossível. Mas, ao assistir o restante dos episódios, a série mostra que não é bem o que esperávamos…
Formato semelhante mas com menos profundidade
A trama da nova temporada tentou apostar num formato usado nas temporadas 1 e 2 da série: inserir um evento criminal e, a partir dele, elaborar tramas que conduziriam nossa investigadora a descobrir quem foi o responsável. Aqui, neste caso, a loira precisa investigar quem foi o autor por trás do atentado no hotel.
Só que, anteriormente, a série possuía uma lacuna de 22 episódios. Esse era tempo suficiente para que a série construísse tramas paralelas, colocasse Veronica para investigar casos particulares de amigos, entre outras coisas. Agora, a série não se dá a este luxo. São apenas oito episódios e isso pode ser uma coisa boa ou ruim. Isso fez da quarta temporada de Veronica Mars mais concisa e focada. Não há tempo para histórias paralelas, e o caso da bomba é o único tomado como arco central. Entretanto, isso fez das relações dos personagens algo bem superficial.
Veronica ainda é Veronica. Ela é inteligente, esperta, rápida em formulações de frases e está sempre determinada. A personagem brilha em tela, sem pensar duas vezes e precisamos dar o crédito à Kristen Bell. Porém, o fato do texto destacar apenas o caso central somado à investigação da protagonista faz colocar outros personagens em escanteio.
Coadjuvantes sem vez
Keith Mars, por exemplo, não tem tempo de brilhar. Assim, fica a maior parte da temporada evitando contar a Veronica sobre seus problemas mentais. Enrico Colantoni, claro, não brinca em serviço e entrega a atuação que sempre gostamos. Mas é uma pena que um adorado personagem da série tenha sido tratado dessa forma.
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O mesmo dizemos de Logan, que talvez tenha sido o personagem mais subaproveitado na temporada. Sempre quieto, mostrou uma versão “adestrada” de sua persona para encantar Veronica. Porém, em tela, essa dinâmica não funciona. Em certo ponto da história, até a própria protagonista percebe que tem algo errado, e que esse não é o Logan que ela conhecia. Se foi proposital, não sabemos. Mas o sentimento de descarte em relação ao personagem predomina do começo ao fim. Vai ver, foi por isso que ela inicialmente recusara o pedido de casamento.
Não podemos esquecer também de Wallace, que foi removido das tramas principais e jogado a escanteio como marido e pai. Outrora, Wallace era parte corriqueira das ações de Veronica, e agora simplesmente tornou-se um mero coadjuvante com poucas falas e o mesmo sorriso encantador de sempre.
Sem contar Matty, personagem nova na trama, que tinha um grande potencial no começo da temporada, mas se perde ao longo dos episódios e vira apenas um escape para espalharmos as atitudes da Veronica mais nova.
Já Nicole, a nova BFF da protagonista, tem uma personalidade forte. Além disso, passa grande parte da trama servindo a um propósito pessoal. Porém, no final das contas, torna-se mais uma personagem que serve para a escalada de glória de Veronica em relação a investigação do caso. E algo que incomoda, neste caso, é que Rob Thomas nem se deu o trabalho de fechar a trama da barista de forma apropriada, largando ela em certo ponto da narrativa e deixando-a de lado.
Trama se perde
Talvez, o fato da série não ter aproveitado seus personagens antigos fora a inserção de muitas figuras novas. A certo ponto, desnecessárias. Alex Maloof, é um dos personagens mais rasos de toda a série, não acrescentando absolutamente em nada na evolução da trama central. O mesmo podemos dizer dos capangas do cartel mexicano. Sério, Rob Thomas, que você foi perder tempo com essas histórias?
Até Eli, que era um personagem interessante, fez tomar-se de falta de interesse ao público. Dessa forma, Francis Capra parecia estar ali mais para conseguir um cheque ao fim do mês do que amor ao personagem em si.
A certa altura da temporada, já não sabíamos o que estava acontecendo ou que rumos os personagens estavam tomando. Em uma cena, Veronica mostra-se apaixonada por Logan, e na outra ri do fato dele estar fazendo terapia. Com que propósito, se ela sempre desejou que ele fora uma pessoa melhor? É como se com uma mão, o roteiro dá aquilo que mais amamos dos personagens, e com a outra os leva para uma direção completamente oposta. Essa mistura acabou virando uma salada mista que não desceu muito bem.
Valeu a pena?
Portanto, ao final da temporada o sentimento é de dúvida. É incrível revisitar estes personagens, que deixaram uma imensa saudade. E a série ainda é, afinal, sobre Veronica Mars. Mas a personagem tornou-se uma versão mais sombria e imperdoável, numa tentativa de esquecer um pouco o tom das temporadas anteriores. Assim, isso soa mais como um tiro no pé do que um amadurecimento em si.
A conclusão da trama envolvendo os atentados é satisfatória. Além disso, nos damos conta no panorama geral que o vilão fora o personagem que mais recebeu destaque na temporada. Mas só descobrimos isso nos instantes finais. Porém, sua história é valida e reflete a podridão da geração do século XXI, obcecada por fama e curtidas nas redes sociais.
Porém, a temporada acaba fazendo um desserviço a outros personagens. Com um final controverso, que mata uma figura adorada pelo público somente para “libertar” Veronica e torná-la a investigadora solitária sem quaisquer laços, o gosto amargo predomina.
O sentimento é que poderíamos ter ficado apenas com o filme de 2014. Sem dúvidas, ele teve um melhor final.