Intensa, segunda parte de La Casa de Papel supera todas as expectativas
Segunda parte de La Casa de Papel é diversão garantida, além de ótima narrativa e interessante comentário social.
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A decisão da Netflix em dividir La Casa de Papel talvez seja puramente comercial.
Lançada integralmente na Espanha como minissérie, o programa chegou ao Brasil sem fazer muito alarde. O famoso boca a boca alçou o show ao sucesso. Com um dos lançamentos mais comentados do último ano, a Netflix atingiu seu objetivo: atraiu atenção do público e criou grande expectativa acerca da continuação da série.
Sendo ou não uma decisão comercial, o fato é que a segunda parte de La Casa de Papel é muito diferente da primeira. A começar pelo ritmo. Depois de acompanharmos Raquel chegando à casa onde Professor e o grupo organizaram o roubo, a trama mergulha em uma espiral de ação e tensão quase que ininterruptas. Os diálogos totalmente descartáveis (principalmente aqueles entre Tóquio e Rio) felizmente somem, dando lugar a um desenvolvimento objetivo tanto da história quanto dos personagens.
Neste sentido, ganham camadas personagens como Professor, Raquel e Berlim, a trinca mais interessante da série. Tóquio, irritante na primeira metade, acerta o passo e cumpre um bom papel. Moscou continua como uma das bússolas morais da trama, enquanto Nairóbi rouba a cena cada vez que aparece, provando que merecia mais espaço nos episódios. Helsinque e Oslo, contudo, seguem com a mesma insignificância da primeira metade, sendo ofuscados por outros personagens, sejam estes reféns ou membros da polícia.
É consenso, entretanto, que todo o elenco merece elogios pelo trabalho. Desconhecidos fora da Espanha, cada ator tem sua chance de brilhar, mesmo interpretando personagens mal desenvolvidos ou desagradáveis. Uma das maiores provas disso é Berlim, vivido por Pedro Alonso: vilão de péssimo caráter, o personagem rouba a cena e envolve graças ao talento de seu intérprete, dono de inquestionável carisma. O mesmo pode ser dito de Álvaro Morte, O Professor. Em tese, ele é o grande líder dos bandidos, mas não é surpresa alguma chegar ao desfecho torcendo incondicionalmente pelo sucesso dele e de seu grupo de ladrões.
O que nos traz a Itziar Ituño, que dá vida à Raquel. Conferindo energia e forte senso de justiça à investigadora, Ituño consegue a proeza de dividir o público: embora torçamos para que o assalto seja bem sucedido, também torcemos para Raquel. A personagem é tão boa e correta que vê-la sofrendo devido o assalto nos faz questionar: de que lado estamos? Quem é o vilão e o herói dessa questão? Pois este é um dos grande motes de La Casa de Papel: sem soar maniqueísta ou tola em suas sugestões, a série levanta uma das questões mais antigas da humanidade, questionando a integridade de nossos líderes e daqueles que deveriam nos defender.
Neste caso, podemos conjecturar acerca do sucesso de La Casa de Papel no Brasil. Totalmente desacreditado, marcado por líderes que não nos representam, o país se viu na imagem do Professor e seus ladrões. Enquanto algumas séries tentam construir críticas e representar a história através da má vontade e de mentiras, o programa espanhol revela-se atemporal e sem fronteiras, conquistando plateias ao redor do mundo com sua abordagem divertida e seu discurso político e social sem apelar para discursos equivocados.
Em resumo, a segunda parte de La Casa de Papel é um sucesso enquanto desfecho.
Os episódios, juntos, soam como um longo clímax para uma extensa história. Repleto de surpresas (algumas já esperadas), o final satisfaz por entregar exatamente aquilo que o público quer: intensidade emocional, seja através do visual ou da narrativa. É curioso, portanto, que alguns dos melhores trabalhos da TV venham de outros países, e não dos Estados Unidos: La Casa de Papel e Dark, fora outras obras estrangeiras que não se encontram na Netflix, provam aquilo que todo seriador já devia estar acostumado: procurar novos horizontes fora do eixo norte-americano. La Casa de Papel é diversão garantida, e tem apelo muito maior com o público brasileiro do que produções como House of Cards ou Downton Abbey. Podemos aprender muito mais com o Professor e seus ladrões de banco do que com aristocratas ingleses.
É interessante, enfim, que esta segunda metade seja tão superior à primeira. Ambas foram escritas e exibidas sem intervalos na televisão espanhola. Não é como se a segunda parte tivesse sido produzida meses depois, como uma nova temporada. É curioso, portanto, que diversos problemas tenham sido consertados nos capítulos finais, e que o ritmo tenha melhorado de forma tão considerável.
Vale, entretanto, um adendo: a edição da Netflix (que diminui a duração de episódios e aumenta a temporada) é realmente prejudicial ao andamento natural da série. É preciso respeitar o que os roteiristas, produtores e diretores decidiram: se a série foi escrita, dirigida e editada originalmente de um jeito, é errado montar o produto de uma forma diferente daquela pensada por seus criadores. Assim, a edição da plataforma prejudica o ritmo e a estrutura do programa, que se sai muito melhor em sua forma original.