O melhor episódio de Lost quase não existiu
O melhor episódio de Lost quase não existiu: o drama por trás de "The Constant" e o motivo por que ele quase não foi ao ar.
Se há algo em que os fãs de Lost concordam, é que o episódio “The Constant”, da quarta temporada, é um dos maiores destaques da série. Aclamado por sua narrativa única, o episódio acompanha Desmond (Henry Ian Cusick) enquanto sua consciência salta entre 1996 e 2004, resultando em uma das aventuras mais emocionantes e autônomas da série. No entanto, o que realmente eleva “The Constant” é a linda e comovente ligação telefônica entre Desmond e Penny, que se transforma em um dos momentos mais emocionantes de toda a série. Contudo, esse episódio, que hoje é considerado um clássico, quase não aconteceu devido aos desafios enfrentados por seus criadores.
Damon Lindelof e Carlton Cuse, os co-criadores de Lost, consideram “The Constant” um dos seus melhores momentos na série, mas também reconhecem que foi um dos mais difíceis de escrever. Em uma palestra na San Diego Comic-Con em 2009, Cuse revelou que o episódio levou muito mais tempo para ser desenvolvido do que o normal. Enquanto um episódio típico de Lost levava cerca de duas semanas para ser planejado, “The Constant” precisou de cinco semanas inteiras. “De fato, a greve dos roteiristas [de 2007-08] aconteceu no momento certo, porque já havíamos esgotado todo o nosso tempo e recursos para desenvolver essa história,” explicou Cuse. A exaustão da equipe era tanta que a pausa forçada foi quase um alívio.
O Que Tornou “The Constant” Tão Difícil?
A maior dificuldade de “The Constant” não estava apenas em sua execução, mas também em vender a ideia para os executivos. Lindelof comentou que o conceito do episódio era quase impossível de explicar para alguém de forma clara.
“Tivemos conversas onde dizíamos: ‘Dê-nos mais tempo, mas a consciência do Desmond do presente, a caminho do navio, se perde e ele volta para o início dos anos 90, quando ainda está no exército, mas ele está completamente confuso sobre onde está ou quando está, mas no final ele vai se encontrar com a Penny.'”
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Embora o episódio tenha mudado um pouco do conceito inicial para o produto final — Desmond não se encontra fisicamente com Penny, mas a ligação telefônica acabou sendo ainda mais romântica —, essa explicação inicial já dava uma boa ideia do episódio. No entanto, a complexidade da trama levantava muitas perguntas sem respostas óbvias, como “Como a consciência de alguém viaja no tempo sem o corpo?” e “Onde exatamente está a consciência de Desmond em 2004 durante tudo isso?” Essas incertezas tornavam o episódio um desafio desde o início, mas, de alguma forma, os roteiristas conseguiram fazer tudo funcionar.
O Ponto de Virada em Lost
A recepção imediata e positiva de “The Constant” deve ter sido um alívio para Cuse e Lindelof, pois esse foi o episódio que marcou uma mudança clara na abordagem da série em relação à ficção científica e ao sobrenatural. Enquanto as três primeiras temporadas se concentravam mais nos personagens, com os elementos especulativos no pano de fundo, “The Constant” mergulhou de cabeça na ficção científica. A partir desse ponto, a série começou a brincar abertamente com viagens no tempo e a quebrar as leis conhecidas da física, o que poderia ter sido um momento perigoso para a série, mas acabou apenas aumentando o entusiasmo dos fãs para o que estava por vir.
Logo após “The Constant”, Lost começou a abraçar o lado mais estranho de sua narrativa. Ben Linus gira uma roda mágica que faz a ilha desaparecer, e na sexta temporada, boa parte da história se passa em uma realidade alternativa que, eventualmente, é revelada como o pós-vida. Na quinta temporada, metade do elenco vai para diferentes eras da história da ilha, como se a ilha estivesse “pulando” pelos seus anos mais marcantes. Essas escolhas narrativas poderiam facilmente gerar uma alienação nos fãs, mas a base para tudo isso se estabeleceu em “The Constant”.
Curiosamente, “The Constant” Também Foi Um Artifício Narrativo
Outro fato interessante sobre “The Constant” é que a história de Desmond também funcionou como uma forma de evitar muita exposição sobre o navio cargueiro. Se tudo tivesse corrido como planejado, a visita de Desmond e Sayid ao navio poderia facilmente ter se transformado em 40 minutos de explicações monótonas. Lindelof explicou no comentário dos bastidores do DVD que, sem a crise constante enfrentada pelos personagens, o episódio poderia ter caído na armadilha da exposição didática.
Mas Lost nunca foi uma série que se destacou quando simplesmente respondia uma pergunta após a outra. Em vez disso, o episódio escolheu revelar as respostas às perguntas sobre o navio cargueiro de maneira sutil, por meio da situação tensa de Desmond. O público recebe uma grande quantidade de informações importantes, mas nunca se força a absorvê-las, o que mantém o ritmo do episódio e o interesse do espectador.
No Fim, “The Constant” Não Era Sobre a Ciência
“Trabalhamos muito para tentar encontrar um equilíbrio, para que houvesse um retorno emocional na história,” explicou Cuse naquele painel de 2009. “Não passamos o episódio inteiro tentando explicar nosso conceito de viagem de consciência; construímos algo que fosse emocional e genuíno, e que de certa forma transcendeu a mitologia do episódio.”
Essa declaração resume o porquê de os fãs, que sempre demandavam respostas, aceitaram tão bem um episódio que poderia se tornar uma grande crítica até o fim. Apesar das travessuras de viagem no tempo, “The Constant” é, em essência, uma história de amor. Mesmo que você não entenda os elementos de ficção científica, todos entendem, em um nível visceral, o quão catártico é aquele telefonema final entre Desmond e Penny.
É essa abordagem que deu a tantos episódios de Lost seu status icônico. O final de “Walkabout” levanta muitas questões sobre a natureza mágica da ilha, por exemplo, mas o que realmente faz a cena brilhar é a emoção de ver Locke percebendo que pode mover seus dedos dos pés novamente. “Numbers” pode não explicar o que realmente está acontecendo com os números que Hurley continua vendo, mas captura a sensação de desespero de alguém que acredita estar perdendo a sanidade e precisa de confirmação de que o que acredita pode ser real.
Lost sempre foi melhor quando entendia que não eram os mistérios que importavam, mas o drama humano que existia dentro deles. É por isso que, mais de 15 anos depois, “The Constant” continua sendo um dos maiores feitos da TV no século 21.