Crítica: 2ª temporada de Atlanta supera expectativas e a faz uma das melhores séries da TV
Crítica da segunda temporada de Atlanta, da FX.
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Embora a TV seja amplamente reconhecida como o celeiro da liberdade criativa, um espaço para onde os artistas vão em busca de originalidade. É preciso reconhecer que a televisão ainda não experimenta tanto quanto o cinema. É claro que se compararmos com a indústria cinematográfica, a televisiva ainda concede maior liberdade aos seus profissionais. Cada vez mais atores, roteiristas e diretores migram para a televisão em busca de renovação e espaço. Ainda assim, a forma de se fazer uma série ainda segue cartilhas básicas, sem grandes riscos.
É curioso, portanto, que as melhores séries da temporada 2017/18 sejam totalmente diferentes daquilo que se faz atualmente. São corajosas e experimentais, são diferentes de tudo que se fez e viu até então. O melhor drama, Twin Peaks, não segue nenhuma regra preestabelecida, e a melhor comédia, Atlanta, sacode todas as convenções do gênero e entrega um produto que compete lado a lado com os melhores programas da atualidade.
Assim, não é exagero afirmar que ambas são, de certa forma, equivalentes: são duas produções que confiam no público, mas não são reféns dele. Assim, arriscam sem medo e subvertem todas as expectativas. O fato de ambas flertarem com o absurdo e com situações inexplicáveis só reforça a conexão.
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Desenvolvimento de diversos personagens é uma das maiores qualidades da série.
No segundo ano, Atlanta segue contando a história de Earn (Donald Glover), um jovem negro que tenta ser o empresário do seu primo, um rapper que começa a crescer na cena musical. Resumir a série a isso, contudo, é um erro. O fato é que Atlanta não tem uma sinopse fechada; na verdade, o show não tem sequer uma narrativa muito estabelecida. E isso é um de seus maiores atrativos. A série conta pequenas histórias, quase esquetes, que funcionam perfeitamente tanto isoladas quanto juntas. No fundo, uma mitologia é construída, mas não é intenção do programa criar uma grande história seriada.
O objetivo principal é desenvolver seus personagens e, sutilmente, levá-los de um ponto a outro. Para isso, Atlanta cresce em sua segunda temporada e supera o seu ótimo ano de estreia. Donald Glover, produtor, criador e um dos principais roteiristas toma uma decisão arriscada e louvável: ao invés de aumentar seu tempo de tela e dar espaço ao seu personagem, Glover resolve dar espaço aos seus companheiros de elenco, o que garante alguns dos episódios mais inspirados do último ano. O ator sai de cena em grande parte da nova temporada e deixa o elenco brilhar.
Liberdade e inspiração rendem alguns dos melhores episódios do ano.
Assim, temos episódios totalmente livres de qualquer obrigação. Um dos melhores exemplos é Barbershop, onde Paper Boi vai até a barbearia para cortar o cabelo. A partir dessa premissa, uma porção de coisas acontece, em uma típica comédia de erros, onde um fiapo de história começa com um problema que leva a outro e a outro. Não há intenção nenhuma em ligar este episódio à narrativa central; não avançamos e não chegamos a ponto algum, mas algo melhor ocorre: conhecemos um pouco mais de Alfred, o Paper Boi, aquele que talvez seja o personagem mais interessante da série.
O mesmo acontece com Teddy Perkins, capítulo focado em Darius. Aqui, o amigo de Earn e Alfred vai até a casa de um estranho milionário para buscar um piano de teclas coloridas que achou na internet. É quase inacreditável a coragem dos realizadores ao mesclar comédia com suspense e toques de horror, tudo permeado por uma sensação constante de absurdo. O resultado é um episódio engraçado, mas também tocante, surpreendentemente humano ao mostrar Darius sob um viés mais intimista.
Mas não é só o trio masculino central que recebe atenção e ganha bom espaço. Van é protagonista de pelo menos dois capítulos, além de desenvolver papel fundamental em vários outros episódios, além de movimentar boa parte da trama principal. É inegável que Atlanta ainda é uma série focada em personagens e temas masculinos, mas é positivo ver que personagens femininas receberam espaço na segunda temporada. As mulheres também surgem por trás das câmeras, e alguns dos melhores momentos da série foram escritos por mulheres. O genial Barbershop, por exemplo, leva o nome de Stefani Robinson.
Discursos fortes costurados com sensibilidade marcam segundo ano.
E quando a genialidade de Atlanta parece não ter mais como crescer, os episódios finais comprovam que não há limite para o talento e a experimentação. Em FUBU, penúltimo capítulo, acompanhamos Earn e Alfred em suas versões mirins, em uma história ambientada nos duros corredores da escola. A premissa é simples como as demais, mas rende momentos de impressionante profundidade. Aqui, Earn ganha uma camiseta da mãe e, orgulhoso, veste a roupa para ir à escola. Ao chegar lá, descobre que um colega possui a mesma camiseta o que levanta o debate: qual dos dois está vestindo um produto falso? As discussões que o episódio levanta são tão complexas que vencem as barreiras do tempo e ficam conosco por um longo tempo.
FUBU é uma bela representação daquilo que Atlanta é como um todo: entretenimento de primeiríssima qualidade e forte apelo social. A série, contudo, não soa didática em nenhum segundo, sendo é sutil ao inserir suas ideias. Em FUBU temos alguns questionamentos claros, como o perigo do bullying e a liquidez de nossas percepções e prioridades. Aqui e ali, contudo, temos breves comentários sobre gênero, raça e classe, discursos fortes e costurados com inteligência e sensibilidade por Glover e seu time de roteiristas.
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Ao fim, percebemos que Atlanta avançou milhas em sua narrativa: Paper Boi e Earn saem de um ponto e terminam em outros totalmente diferente; suas personalidades sofrem mudanças consideráveis e, no limiar, temos a sensação de que nada mais é como antes. Sem perceber, mergulhamos em onze sólidos episódios, irretocáveis tanto narrativa quanto tecnicamente. A fotografia belíssima e a direção precisa são apenas ferramentas para o texto de uma das melhores séries da atualidade.