Blonde: filme da Netflix é um fiasco que desrespeita Marilyn Monroe
Blonde é uma interpretação equivocada e desrespeitosa de Marilyn Monroe. Nem atuação de Ana de Armas salva o filme do fracasso.
Ao ser questionado sobre a adaptação de Stanley Kubrick para seu livro, O Iluminado, Stephen King resumiu tudo com clareza. Para o famoso escritor, o filme era como um Cadillac sem motor: belíssimo por fora, com rica lataria e cor, mas sumariamente vazio e inútil. Ao assistir Blonde, da Netflix, que traz uma reinterpretação da história de Marilyn Monroe, este foi o primeiro e mais latente pensamento.
Dirigido por Andrew Dominik, dos ótimos O Homem da Máfia e O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford, Blonde não é uma biografia. Em vez disso, é uma adaptação de um livro que, por sua vez, é uma releitura da história real de uma das mulheres mais icônicas da cultura pop.
Desta forma, Blonde entra na galeria das obras que investem na ficção (ou pura especulação) para deduzir quem foi determinada figura histórica. Recentemente, Spencer, com Kristen Stewart, fez algo parecido com a Princesa Diana.
Blonde faz Marilyn e público sofrerem por quase 3 horas
Blonde, portanto, tem vários problemas, mas o principal talvez seja o desrespeito e a leviandade com que trata Marilyn. Em resumo, Monroe (Ana de Armas, sua intérprete) só chora, sofre e caminha nua por ambientes. Às vezes, isso acontece ao mesmo tempo, num intragável calvário.
Marylin, ou Norma Jean, como aponta seu nome de batismo, já começa a história com muita dor e sofrimento. A partir daí, testemunhamos uma sucessão de abusos, decepções e equívocos.
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A nítida impressão é que não descobrimos nada sobre a atriz. Mesmo que este seja um relato quase ficcional, é decepcionante que o filme não consiga nos apresentar nenhuma característica boa ou minimamente crível da mulher que encantou multidões. O retrato pintado de Monroe é claro: é um pedaço de carne burro que apanha bastante e fala com uma voz irritantemente infantil.
Visão do filme é a mesma dos tolos: sexista e redutiva
Esta, entretanto, é a visão típica e equivocada que a indústria e o público têm de Marilyn. Muitos realmente pensam que a moça era apenas um símbolo sexual, um ser tolo que servia apenas para embelezar cartazes e aumentar bilheterias.
Blonde, então, poderia explorar essa torpe visão da personagem, mas se equivoca tremendamente ao apresentar justamente este retrato da mulher. Defensores do longa podem dizer que o retrato é proposital, mas sabemos que não é. O próprio filme nos conta isso.
Afinal, Dominik é incapaz de separar as personalidades de Marilyn, e Ana de Armas se sai terrivelmente mal neste aspecto. Isso porque Monroe/Jean é a mesma mulher no trabalho, em casa, com amigos ou amantes. E em todos estes meios ela é uma pessoa desinteressante.
No fim, o maior pecado de Blonde é definir sua musa apenas pelas coisas ruins que era e passou. Logo, Monroe é colorida (ou descolorida) nas linhas das tristezas, dos homens e dos fracassos que encarou.
Nem Ana de Armas escapa de um projeto desalinhado
Com isso, Marilyn é a tragédia, não a força que venceu os tempos ruins. Ela é o abuso, não a mulher que seguiu em frente. A visão equivocada piora quando percebemos que o filme é claramente dividido em capítulos definidos pelos homens que passam pela vida da atriz. E a cena envolvendo o presidente estadunidense Kennedy é uma afronta ao bom senso.
Em suma, Dominik e seu projeto não salvam ou redimem Monroe, apenas entram na fila dos inúmeros abusadores que sujaram sua história.
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E é uma pena que tantos enganos acabem prejudicando a própria protagonista, a atriz Ana de Armas, que não consegue superar os problemas do filme. Ainda que talentosa, Armas sucumbe ao peso de Marilyn, preocupando-se apenas em criar um perfil unidimensional do ícone. A impressão que fica é que Marilyn jamais sorri ou é legitimamente feliz.
Só a fotografia salva um filme mergulhado em equívocos
Além disso, o próprio filme parece violá-la direta ou indiretamente, em vários níveis. O roteiro e a direção ultrapassam o limite do comentário ou crítica, tornando-se acusado e não denunciante.
O absurdo é tanto que o diretor “posiciona” sua câmera literalmente dentro de Monroe, mostrando o que acontece quando alguém investiga e mexe em suas partes íntimas. O recurso é gratuito, grosseiro e utilizado duas vezes durante as sofridas três horas de duração.
De tudo, apenas a fotografia se salva, e esta é realmente elogiável. O trabalho, aliás, merece e deve ser indicado ao Oscar, já que o uso de lentes, luzes e cores é impecável. Há, entretanto, um incômodo problema envolvendo razões de aspecto, que mudam sem razão técnica ou narrativa. Ainda assim, é um pecadilho perto da beleza visual do filme, principalmente em suas sequências em preto e branco.
Infelizmente, é só isso que realmente funciona em Blonde. Da atuação desequilibrada de Armas até a direção desrespeitosa de Dominik, nem a trilha do fantástico Nick Cave se salva. Marilyn Monroe e o público mereciam mais respeito e empenho.
Nota: 1/5