Crítica: Bom Dia, Verônica é uma boa produção, mas com rasa abordagem

Resenha da temporada de "Bom Dia, Verônica", nova série brasileira de investigação, drama e suspense na Netflix.

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Netflix/Divulgação

Bom Dia Verônica cai no dilema que romantizar violência gera mais violência

Antes de começar a falar sobre “Bom Dia, Verônica” em si, depois de assistir, eu não poderia me furtar à responsabilidade de abrir o texto com uma seção de advertência. Todo mundo que fala e é ouvido por alguém tem uma obrigação moral de passar a mensagem certa, de tratar temas tão presentes no cotidiano da nossa distopia chamada Brasil com decência, com respeito. Por não sentir que o pequeno aviso no fim dos episódios com um link – que foi o caminho adotado pela produtora – seja correto, este é o meu: ALERTA DE MÚLTIPLOS GATILHOS.

A série, mesmo com uma classificação indicativa – que acaba sendo ignorado pela maioria – correta, trata de violência, de abuso, de corrupção, de estupro, de homicídio (miliciano), de suicídio. Nenhum desses temas merece ser romantizado ou glamorizado como a brutalidade policial foi feita por alguns diretores brasileiros. Sim, falar dessas coisas é essencial, quando a conscientização e formalização de canais de apoio é oferecido.

Eu, adulto, branco, coberto dos privilégios e estabilidades (físicas e mentais) me senti muito mal vendo a série. Muito. Não pelo horror visual, mas pela forma romantizada, quase propagandística e até banal que o trabalho da polícia, com que a rotina de agressão que atinge um número imenso de mulheres todos os dias, com que a vida humana, foram tratadas.

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“Verô…”

Portanto – e que momento peculiar, saídos do Setembro Amarelo e dentro do Outubro Rosa – fica aqui o meu apelo. São poucas, mas existem delegacias da mulher. Um avanço no acolhimento, proteção e defesa da vida das mulheres que, no Brasil, morrem aos milhares todos os anos, dentro da própria casa. O CVV, Centro de Valorização a Vida está SEMPRE disponível para ouvir e atender aqueles que estejam enfrentando um momento de depressão ou de dúvidas, dificuldades, das aflições da vida.

Tanto no número 188, quando num chat online disponível 24h por dia, ou por e-mail, ou em pontos de atendimento presencial, eles estão lá (mais informações nesse link). Esses são alguns dos caminhos. Procure ajuda. Nunca é tarde para proteger a vida, para interromper o ciclo de violência ou angústia. Para fazer eco ao poeta, “a vida é tão rara”, por isso nunca é tarde para dar um passo, para buscar ajuda. É um mundo terrível lá fora, mas existem algumas luzes que teimam em continuar brilhando contra essa escuridão.

Bom Dia, Verônica | Série brasileira da Netflix terá 2ª temporada?
Imagem: Divulgação.

Nada de novo, de novo

Feita toda essa minha gigantesca introdução movida pela forte emoção, falemos agora da série em si. Bom Dia, Verônica é uma produção brasileira que estreou na Netflix no último dia 01 de outubro, baseada no romance homônimo de Ilana Casoy e Raphael Montes (há época sob o pseudônimo Andrea Killmore), que foram responsáveis pela adaptação do roteiro.

A direção ficou a cargo de José Henrique Fonseca, que recrutou para o elenco Tainá Müller (como Vêronica Torres), Eduardo Moscovis (como Brandão), Antônio Grassi (como Wilson Carvana), Adriano Garib (como Victor Prata) e Camila Morgado (como Janete Cruz). São oito episódios de, em média, 44 minutos.

Não é de todo uma premissa complexa. A escrivã com “senso de justiça” tem sua rotina alterada pelo suicídio de uma vítima de abuso que procura ajuda e esbarra numa série de desaparecimentos suspeitos de jovens mulheres vítimas de agressão, culminando em Janete Cruz, esposa de um Tenente Coronel da Polícia Militar que vivia numa situação de abuso mental e depois físico que não cabe descrever.

“Executou cinco é um herói? Cada um tem o herói que merece”

É fácil entender como a série se vende. É uma trama que mistura a ideia de “justiça” (a qualquer custo?) com o cotidiano “fetichizado” das delegacias de polícia com uma qualidade visual e sonora inquestionáveis. Alguns planos-sequência e principalmente a sonorização e trilha sonora são sim espetaculares. As narrações em off do primeiro episódio, uma belíssima versão de “Índios” (do Legião Urbana) no último, e até o som dos pássaros – que trouxe terríveis lembranças de Bird Box (2018) – tornam a série marcante. Ela se impregna em você e é difícil soltar.

Embora nos dois primeiros episódios a série seja muito intensa, ela acaba dosando o ritmo e misturando a trama de mistério e investigação com uma suposta organização secreta e a situação doméstica do núcleo de Janete. Quando a narrativa acaba vazando desse limite de dosagem, a nossa atenção é posta na família de Verônica – numa antecipação do final. Essa combinação de técnica audiovisual, português e uma narrativa adequadamente segmentada acaba por capturar o espectador.

“Os chefões você sabe onde estão”

Dito isso, ainda é preciso acrescentar que existem algumas diferenças chave entre o livro e a adaptação – caso você esteja com vontade de fazer a leitura. Algumas mudanças pontuais, como a primeira morte ou a infidelidade do marido de Verônica e até a organização (Cosme e Damião) e a delegada Anita (Elisa Volpatto) que não existem no livro são toques mínimos, que não fazem tanta diferença em termos de adaptação.

Entretanto, três mudanças que a série fez merecem ser destacadas por diminuírem (?) a exposição do espectador. As mais variadas formas de tortura usadas por Brandão, além da necrofilia, foram omitidas. Bem como o destino de Gregório (o genérico da internet que escapa por tecnicalidades jurídicas). No livro, ele é jogado do telhado por Verônica, mas tem final diferente na série.

“Isso aqui é Brasil, Verônica”

Como na maioria das coisas, se eu falar “não assista”, o amigo leitor será influenciado a ver. Então, direi o seguinte: releia os gatilhos e veja por sua conta e risco. Enquanto escrevo essas linhas, a série figura em sexto no “Top 10 Brasil” da Netflix. Cabe ao amigo leitor decidir.

A série combina a glamorização e fetichismo de enredos policiais (como vistos em O Mecanismo) com uma trama de “detetive” e um visual meio Jessica Jones para a protagonista. Não é uma série ruim, mas como outras produções da Netflix¸ peca por tratar temas tão sérios de forma leviana.

Ela acaba por capturar o espectador pela forma de dosar aquilo que oferece e engaja a gente com um ritmo frenético, que deixa tudo pior quando a série acaba. Para usar uma pérola do Sr. K, é uma das raras produções que, dadas as devidas proporções, eu gostaria muito de ver sem som. Porque até é visualmente bonito.

Mas sabe? Não é um programa realmente legal ou que faça bem para o espírito. Frases como “Gente deprimida se mata” fazem a gente se questionar se está tudo tão perdido assim. Honestamente? Não sei se ninguém precisa dessa dose, ainda mais nesse ano e país malucos.

E numa última nota: sempre que necessário, procurem ajuda. Todo mundo é mais forte se todo mundo cuidar de todo mundo. Mas para isso, é preciso começar cuidando de si.

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Sobre o autor

Italo Marciel

Redação

Jornalista por formação e publicitário por aproximação. Desde a graduação, circulo entre as duas áreas e isso me preparou para atuar com mais segurança e amplitude na Assessoria de Comunicação Política, área na qual trabalho desde 2013. Ao todo, já são são oito anos gerenciando a comunicação de parlamentares do legislativo municipal. Entre as minhas principais atribuições estão: criação e gerenciamento de conteúdo textual e visual (artes, fotos e vídeos) para redes sociais; planejamento de pronunciamentos; preparação de pauta para reuniões e entrevistas; relacionamento com a imprensa. Além disso, tanto tempo no meio me trouxe conhecimentos intermediários de assessoria parlamentar, onde auxilio na construção e revisão de projetos e no relacionamento com pastas do poder público de direto interesse dos mandatos. No Mix de Séries atua como jornalista e redator de notícias gerais, desde 2017. Também produz críticas e conteúdos especiais voltado para a área de streaming.