Crítica: 5ª temporada de Black Mirror é simples, menos ácida e sem tanto brilho

Black Mirror chega em sua quinta temporada com três episódios que não são os piores da série, tampouco os melhores. Ao jogar segura, série perde brilho.

Black Mirror retorna menor e… diferente. Para o bem e para o mal.

Black Mirror é uma série que muda a cada episódio e ainda mais a cada ano. Ainda que mantenha uma coerência temática entre as histórias, que claramente se passam no mesmo universo, o programa varia imensamente de um terreno para outro. Há quem diga que Black Mirror não é mais a mesma e que Charlie Brooker, seu criador e roteirista, já esgotou os truques da cartola. É possível que seja verdade, já que a quinta temporada apresenta aqueles que talvez sejam os capítulos mais simples da produção. A simplicidade, contudo, não significa queda de qualidade.

Talvez seja uma decisão consciente. Depois de ter migrado para a Netflix a partir da terceira temporada, Black Mirror ficou maior e, em alguns aspectos, tornou-se um elemento de sua própria mitologia. De tanto criticar as tecnologias e o mau uso destas, Black Mirror acabou virando adjetivo, estilo, tornando-se um monstro à sua própria maneira. Frente ao crescimento desordenado e ao sucesso absoluto ao redor do mundo, é possível que Brooker tenha pisado deliberadamente no freio.

A primeira prova disso é a diminuição no número de episódios. Como nas duas primeiras temporadas, exibidas pelo canal britânico Cannel 4, o quinto ano traz apenas três histórias. Além disso, a produção levou mais tempo para ser produzida, ficando um ano sem uma nova temporada. Quem esperava tramais mais complexas, com visuais e narrativas ainda mais elaboradas, deve conter as expectativas. A quinta temporada é mais leve, deixando de lado a crítica social pesada (mesmo que esteja presente) e investindo em histórias mais simples, voltadas a poucos cenários e com foco no personagem.

Confira abaixo uma rápida análise de cada um deles.

Striking Vipers

O primeiro capítulo da nova temporada quase decepciona no início, quando sugere que a trama será muito semelhante a outras já vistas na série. Felizmente, o roteiro se desenrola em seus próprios termos, mergulhando em ideias e questionamentos distintos. Aqui, dois amigos se reencontram anos depois do último encontro. A sintonia é reativada logo de cara. Os dois, portanto, passam a manter contato regulamente. Principalmente graças a um jogo de realidade virtual que ambos passam a jogar. É nesse jogo que a dupla descobre coisas que abalam a realidade.

Sem dar spoilers sobre a “reviravolta”, é possível dizer que Striking Vipers joga uma questão típica da série no colo do espectador. Como de costume, é levantado um debate que, no fim, talvez não tenha resposta, o que é uma das grandes forças de Black Mirror. Não é a intenção do programa dar respostas, mais sugerir perguntas. É por isso, inclusive, que a série tropeça quando resolve explicar algo que poderia ficar apenas na mente do público.

Episódio foi gravado em São Paulo

Visualmente, apesar de não ser inventivo, Striking Vipers funciona. Filmado em São Paulo, no Brasil, o capítulo tem uma personalidade única. E justamente por se passar em um cenário diferente do habitual, desenvolvendo ainda mais o universo da série. As cenas do jogo são ótimas, cheias de cores e movimento, contrastando com as sequências do mundo real, geralmente mergulhadas em sombras e costuradas por quadros estáticos.

Quanto a história, Striking é o menos imprevisível dos três. Além disso, parece que falta tempo para que todas as ideias sejam desenvolvidas. Por um lado, o público sente a sensação positiva de querer continuar assistindo; pelo lado negativo, a impressão é de que tudo é resolvido de forma rápida e rasteira. Ainda assim, é um episódio corajoso que honra outros capítulos voltados a relacionamentos, como Be Right Back e San Junipero, ainda que com menos brilho.

Smithereens

O segundo episódio da quinta temporada é uma estranha contradição: ainda que seja um produto típico da série, é um dos capítulos mais distantes do estilo Black Mirror. Voltado a uma situação específica (um sequestro), Smithereens conquista logo por sua imprevisibilidade. É impossível saber para onde a história caminhará. De início, somos apresentados a um homem (Andrew Scott, ótimo como sempre), motorista de um aplicativo de transporte, que aparentemente sofreu uma perda dolorosa. Ele conhece uma mulher e aparentemente é neste relacionamento que o roteiro se debruçará.

É então que a trama dá uma guinada e toma outro caminho. E mesmo aqui, quando estabelece o foco, o rumo é cheio de surpresas e dúvidas. Grande parte da qualidade do episódio vem justamente da imprevisibilidade, e Charlie Brooker sabe como brincar com as expectativas do público. Não é só em Smithereens, mas na temporada inteira, que o roteirista joga com as possibilidades. Sabendo do caráter inventivo e surpreendente da série, Brooker sugere diversos pontos que despertam nosso interesse, mas que no fim não apresentam função alguma.

Desta forma, Smithereens talvez seja a história mais simples de toda Black Mirror. Não há grandes questionamentos, e mesmo a pergunta central, proposta no ato final do episódio, não desperta grandes debates. Assim, a resolução prova, mais uma vez, que a força de Black Mirror não está nas explicações e desfechos. A simplicidade do plano pode ser interpretada como brincadeira, já que o episódio inteiro debocha das expectativas da audiência. Ainda assim, soa como uma amarração apressada de uma das histórias mais promissoras da temporada

Rachel, Jack and Ashley Too

O episódio mais criticado da temporada está longe de ser um fiasco. Com doses fortes de comédia, o capítulo segue uma garota que, após a perda da mãe, se sente sozinha. Dessa forma, investe suas energias em idolatrar sua ídola, a cantora Ashley. Para a felicidade da menina, uma boneca da artista é lançada: ela é articulada e, dadas as devidas proporções, guarda algumas semelhanças com a cantora, além de algumas atitudes sinistras.

Aqui, novamente, Brooker brinca com as ferramentas e ideia que têm à disposição. Totalmente imprevisível, é impossível descobrir para onde a história caminha, o que mantém o espectador atento e aflito. De início, parece que a boneca desempenhará papel importante como fonte de horror e perigo; logo, uma apresentação de dança parece servir de ponto de virada na trama. O que acontece é que o roteiro nos joga diversas peças e pede que montemos um castelo que, no fim, será ignorado. Assim, Brooker investe sem medo no absurdo, e vai fundo nos elementos típicos de sua série.

Embora não pareça, Rachel, Jack and Ashley Too é o episódio mais crítico e incisivo da temporada.

O episódio discute o uso das tecnologias, principalmente por um massivo grupo infantil. Bem  como, ainda faz duras críticas à indústria cultural. E mesmo que muitos dos comentários não fujam do lugar comum, é válido perceber que certos temas não fogem do crivo da série.

Sendo uma das grandes surpresas da temporada, Miley Cyrus tem uma atuação sólida e comprometida. Provando ter várias habilidades no campo da atuação, Cyrus mostra que sabe usar o humor e o drama pesado. Além disso, investe partes da própria experiência no projeto. No fim, este parece um dos episódios menos “black mirror” de todos. Ainda que brinque com robôs, propriedade intelectual, dependência tecnológica, o tom é tão cômico e colorido que acaba fugindo da curva. Isso não o tona um capítulo ruim, mas pode afastar uma parcela do público.

 

E vocês, o que acharam das novas tramas de Black Mirror? Deixe nos comentários…

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Sobre o autor
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Matheus Pereira

Jornalista, curioso e viciado em cultura. Escreve há quase 10 anos no Mix e Six Feet Under é sua série favorita.

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