Crítica: A Queda da Casa de Usher é bela mistura de Succession e Hill House
A Queda da Casa de Usher é mistura perfeita de Succession e Residência Hill, marcando a saída triunfal de Mike Flanagan da Netflix.
Dizem que histórias focadas em gente milionária têm feito sucesso. Talvez seja porque analisar esse pessoal seja tão pitoresco quanto estudar uma comunidade alienígena. A realidade deste pessoal é tão descolada da verdade que suas interações e loucuras sempre rendem momentos engraçados, vergonhosos e originais. Desta forma, A Queda da Casa de Usher, da Netflix, resolve brincar com os ricos enquanto intercala horror e histórias de Edgar Allan Poe. Tudo sob o requinte da famosa Casa de Flanagan, uma das melhores do gênero.
Mike Flanagan, aliás, reúne toda a trupe para a sua última série na Netflix. Depois de lançar cinco títulos notórios em cinco anos (!), o diretor/produtor/roteirista deixa a gigante do streaming e vai para a concorrente. Não se sabe exatamente os motivos pelos quais Flanagan abandonou a Netflix, mas algumas entrevistas e notícias apontam que o cineasta estava extremamente descontente com as novas decisões e rumos criativos e negociais da companhia.
Assim, ele se despede no topo. Depois de lançar A Maldição da Residência Hill, Mansão Bly, Missa da Meia-Noite e Clube da Meia-Noite, Flanagan mergulha na obra de Poe e entrega A Queda da Casa de Usher, aquele que talvez seja seu trabalho mais seguro na Netflix.
Não que Usher seja melhor (Hill House detém este crédito), mas sua última criação é mais “sem vergonha”, de certa forma. Parece que Flanagan e seu time, talvez sabendo que esta seria a última obra na empresa, resolveram arriscar mais no texto, na forma e no visual. Não à toa é a série com mais violência, sexo e nudez.
Série reúne vários trabalhos de Edgar Allan Poe
Em A Queda da Casa de Usher, acompanhamos Roderick Usher, patriarca da família e CEO multimilionário de uma empresa. Ele senta com um investigador e conta a sua história. A trama sobre a derrocada de sua família. A partir daí, vemos uma série de flashbacks que mostram como os membros do clã Usher morreram.
Aqui, então, reside uma das melhores sacadas do projeto. Cada membro da família ganha a narrativa de alguma história de Allan Poe. Ou seja, embora Casa de Usher seja o fio condutor do programa, os desdobramentos se inspiram em contos como O Corvo, O Poço e o Pêndulo, Os Assassinatos da Rua Morgue e outros.
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Flanagan tem, então, um divertidíssimo playground à sua disposição. Especialista na adaptação de livros de horror, o roteirista e sua equipe sabem o que extrair dos materiais de origem para criam um história clássica, mas ao mesmo tempo moderna e bem costurada. Assim, é notável perceber como a série conseguiu colocar Morgue, Coração Delator e Máscara Rubra no mesmo pacote, por exemplo. Com isso, o texto – e os visuais – se esbanjam no caráter gótico e depravado das linhas de Poe, e o resultado é único – e viciante.
Bruce Greenwood lidera elenco irretocável
Para dar vida aos personagens e suas estranhas histórias, A Queda da Casa de Usher depende da típica galeria de atores de Mike Flanagan. Assim, espere rever os mesmos rostos que o acompanham desde Residência Hill, até alguns mais novos, que chegaram em Clube da Meia-Noite, por exemplo.
E, aqui, seus asseclas entregam algumas de suas melhores atuações. Carla Gugino, por exemplo, está excelente naquele que é um dos pilares da série. É Bruce Greenwood, entretanto, que rouba a cena. Depois de ser contrato às pressas, substituindo Frank Langella (demitido após ser acusado de asséd*o), Greenwood abraça Roderick com toda a sua vontade. O resultado é um papel delicioso, e uma performance que deve lhe garantir lembranças em prêmios.
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Com tudo isso, Flanagan não está tão interessado no susto, embora eles existam. Ainda que recorra às fórmulas que funcionaram lindamente em Hill House ou Missa da Meia-Noite, alguns episódios contam com poucos jump scares, preferindo focar na atmosfera ou na pura esquisitice das situações.
Assim, A Queda da Casa de Usher vai desenrolando seus mistérios quase que na base da experimentação. É revigorante, então, notar detalhes novos sobre os personagens e tramas enquanto a temporada avança. Assim, é interessante captar novas informações nos episódios 5 ou 6, por exemplo, provando que a série sempre tem algo novo para mostrar ou revirar.
Com o costumeiro esmero técnico, A Queda da Casa de Usher é a despedida triunfal de Mike Flanagan na Netflix. No futuro, os planos do diretor incluem uma ambiciosa adaptação de A Torre Negra, de Stephen King. A Amazon parece disposta a pagar o que for necessário para que ele siga moldando o horror contemporâneo. Se seguir neste ritmo, daqui a alguns meses devemos ter outra joia estreando em um novo catálogo.
Nota: 4,5/5