Crítica: Areia Movediça, da Netflix, é série regular para estômagos fortes

Areia Movediça é uma série que funciona por ter boas atuações, história envolvente e duração concisa. Apesar das qualidades, é preciso atentar para alguns problemas e pensar com maior afinco em determinados temas, mesmo que a própria série falhe em tal processo.

Areia Movediça é novidade sueca da Netflix e promete perturbar o público com temas e cenas intensas

Em determinada cena de Areia Movediça, nova série sueca da Netflix, a protagonista Maja (lê-se Maia) descreve sua amiga Amanda. Nas palavras da jovem, a amiga é superficial, dada aos discursos vazios e básicos, contradizentes à realidade da moça. Maja acaba descrevendo, portanto, a própria série. Areia Movediça acredita ser mais inteligente e relevante do que realmente é, acabando por tropeçar em discursos fáceis. Trata-se de um entretenimento decente, que se resolve de forma clara e rápida, mas peca pelos exageros e posicionamentos complexos.

A questão é que Areia Movediça talvez não seja tão perigosa quanto 13 Reasons Why, mas está longe de ser inofensiva. Deste modo, o projeto sueco é para estômagos fortes. A começar pelo pontapé inicial da trama: um casal jovem (Maya e seu namorado, Sebastian) entra em uma escola e atiram em colegas. A situação é confusa e não sabemos ao certo o que acontece. Desta forma, acompanhamos a prisão de Maya após o atentado. Tem início a investigação seguida de julgamento da jovem, que relembra os complicados dias que antecederam o tiroteio.

Assuntos espinhosos e algumas sequências requerem estômago forte

Trata-se, portanto, de um assunto espinhoso. Os tiroteios em escolas ceifam vidas diariamente, sendo um dos maiores terrores da sociedade moderna. Recentemente, o Brasil também foi marcado por um triste atentado em uma escola de São Paulo. É uma ferida sempre aberta, complexa. Além disso, que poucos ousam em abordar na cultura. Areia Movediça acerta ao não explorar o incidente através da violência ou suspense. Neste ponto de vista, portanto, a série trata o tema de forma respeitosa .

O problema é que há diversos acontecimentos, fora do tiroteio, que testam as forças do espectador. Do consumo abusivo de drogas ao estupro, Areia Movediça é um drama pesado que não poupa a audiência. A seu favor, o programa sueco não romantiza tais atos, como fazia a já  citada 13 Reasons Why. Aqui, o relacionamento tóxico de Sebastian e Maya é revelado sem vernizes. Trata-se de uma dinâmica triste e violenta, sem nenhum pingo de romance ou sexualização. Tal abordagem, portanto, traz uma secura profunda: assim como Maja, o espectador sofre, mas acaba voltando para um novo episódio.

Relacionamento abusivo move a trama

O relacionamento de Maja e Sebastian, portanto, é o que move a trama. Bem como, é ele que levanta os debates mais delicados do roteiro. É compreensível que o programa aborde um relacionamento abusivo, onde uma das partes não percebe o mal no qual está inserida. Com isso, o elo mais frágil acaba sempre voltando e sofrendo. O problema em Areia Movediça é que Maja reage muito pouco às suas difíceis questões, o que acaba colocando a jovem em maus lençóis para com o público, que pode julgá-la mal e considerá-la vilã.

Areia Movediça, aliás, falha no tom maniqueísta que adota para alguns personagens. Sebastian é um monstro, e os roteiristas acertam no grau de humanização do sujeito. O objetivo aqui não é transformar Sebastian em uma vítima: ele é um monstro, ferido pela vida, mas ainda sim um monstro. Um jovem branco, rico, que sente prazer em humilhar familiares e amigos. O problema está na pintura dos demais personagens: Maja, como comentamos anteriormente, é jogada sob uma luz difícil, fazendo com que o público a enxergue ora como assassina, ora como uma menina indefesa, vítima de tudo e todos.

Apesar de alguns acertos, falta sutileza no desenvolvimento dos personagens

O objetivo, claro, é manter escondida a real personalidade de Maja. Até o último minuto, praticamente, temos dúvidas acerca de seus atos e pensamentos. Falta sensibilidade, portanto, para transformar esses momentos de culpa/inocência em sugestões mais sutis. O grande tropeço, entretanto, ocorre com Samir. O jovem, amigo apaixonado de Maja, é um imigrante que sofre pelos comentários de Sebastian e pela aceitação acidentada dos demais. A própria série aborda a questões dos imigrantes e da xenofobia através de discursos rasos para, perto do fim, transformar Samir em um pequeno vilão.

Amanda e o namorado são outros personagens que vestem clichês. São avatares que permeiam a trama apenas para fazê-la andar. Seus destinos, portanto, despertam pouco impacto: todos dizem que Maja e Amanda são grandes amigas, mas quando o relacionamento sofre um revés, o público não consegue sentir a dor que tal empecilho inflige entre as duas. O mesmo acontece com a promotora do caso, que acusa Maja no julgamento: o texto falha em pintá-la como uma mulher fria, que muitas vezes parece querer inocentar Sebastian ao passo que culpa a moça por quase todos os atos envolvendo o crime.

No final, é um drama regular com bons acertos e problemas preocupantes

Apesar de tudo, Areia Movediça ainda é um drama regular que funciona como suspense de tribunal. A duração e quantidade dos capítulos ajuda: são seis com 40 minutos cada. Além disso, cada episódio aborda um momento específico do caso, e a alternância entre presente e flashbacks funciona, criando um interessante mosaico que jamais entrega mais do que o necessário. Para completar, o elenco é competente, com destaques para Hanna Ardéhn e David Dancik. A primeira vive Maja com vivacidade comovente, fazendo mais do que o possível mesmo que o roteiro a prejudique. Já Dancik rouba a cena sempre que surge como o advogado Peder Sander; visivelmente convencido da inocência de sua cliente, Dancik cria um elo de preocupação e carinho com Maja, mas jamais ultrapassa limites ou permite que tal zelo prejudique seu ótimo trabalho enquanto defensor da ré.

Em resumo, Areia Movediça é uma série que funciona por ter boas atuações, história envolvente e duração concisa. Caso sofresse do mal da Netflix (alongar episódios e temporadas), seria imensamente prejudicada. Apesar das qualidades, é preciso atentar para alguns problemas consideráveis e pensar com maior afinco em determinados temas, mesmo que a própria série falhe em tal processo.

Sobre o autor
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Matheus Pereira

Jornalista, curioso e viciado em cultura. Escreve há quase 10 anos no Mix e Six Feet Under é sua série favorita.

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