Crítica: Black Mirror – Bandersnatch é uma ótima experiência com fraca narrativa

Black Mirror e Netflix investem pesado na interatividade e experiência funciona, apesar da fragilidade da história central.

Imagem: Netflix
Imagem: Netflix

Isso é muito Black Mirror

A própria existência de Black Mirror parece retirada de um episódio da série. Lançada sem muito alarde alguns anos atrás, o projeto era “apenas” mais um programa britânico: curto, estranho, dotado de humor negro e com abordagem pouco vista na América. Duas temporadas foram produzidas e, apesar da qualidade, o show não era o sucesso que é hoje. Tanto que a Netflix deu sobrevida à empreitada quando esta parecia acabada.

Então Black Mirror virou um hit. Um sucesso estrondoso entre crítica e público, entrando para o intrincado maquinário da cultura pop. Hoje, Black Mirror virou meme, sinônimo de estranheza e tecnologia assustadora. O formato antológico ajudou e cá estamos: a poderosa Netflix lança, às portas do novo ano, um especial único, uma experiência que promete rearranjar o fazer televiso contemporâneo.

Experiência nova e única sob o verniz de uma narrativa simples

Black Mirror: Bandersnatch, portanto, funciona como experiência, mas falha como narrativa. Enquanto a interatividade funciona e garante o divertimento, a história central pendura-se num fiapo. Os personagens também sofrem, já que nenhum é desenvolvido apropriadamente. Ao final, quando a experiência se encerra, a impressão é de que muita coisa faltou. E de fato falta: as escolhas feitas na interatividade acabam privando o espectador de diversas informações e desdobramentos. O custo é alto e o resultado é agridoce.

Estima-se que a experiência, com narrativa conclusiva, dure no mínimo 40 minutos e no máximo uma hora e meia. Tudo depende do que você escolhe. Alguns caminhos são longos, outros curtíssimos. Com base em minhas escolhas, o episódio durou pouco mais de uma hora, encerrando de forma abrupta, sem nenhum sinal de clímax. O problema é este: Bandersnatch não tem clímax. Determinado acontecimento (que envolve a morte de alguém) serve como encerramento quando, na verdade, deveria ser apenas um ponto de virada na trama. Quando tudo parece acelerar e pegar um ritmo alucinante, acaba.

No fim, quando sua narrativa principal acaba, a própria plataforma oferece a oportunidade de retornar e escolher novas alternativas. Isso garante mais uns quarenta minutos de diversão, já que você anseia voltar e tomar decisões diferentes (quem nunca?). Assim, você volta e vai experimentando escolhas que foram deixadas para trás. Enquanto engenharia, a experiência funciona perfeitamente, sendo um sucesso por parte da equipe da plataforma. Criar o intrincado quebra-cabeças de Bandersnatch deve ter sido um pesadelo para o roteirista Charlie Brooker, para o editor e para os algoritmos da Netflix.

Você é o personagem

O que nos leva à ideia central e mais interessante do especial: metalinguagem e livre-arbítrio. Bandersnatch é, de certa forma, um relatório de Charlie Brooker, onde o roteirista comenta como é difícil criar uma narrativa como essa. O protagonista enlouquece criando as inúmeras camadas, linhas temporais e possibilidades de interação em seu jogo, o que é o espelho perfeito do próprio roteirista criando a estrutura do episódio. Esse jogo de espelhos e alegoria fica explícito em uma das linhas, [SPOILER] quando uma jovem diz que pretende dar seguimento aos planos do jogo, mas agora como um especial interativo para uma plataforma de streaming.

Brooker, portanto, usa e abusa de sua plataforma. Em um momento você pode escolher a própria Netflix para dar uma explicação ao personagem. Ou seja, o próprio serviço de streaming vira personagem. A coisa fica mais maluca quando fica claro que você mesmo, o espectador, é um personagem de tudo aquilo. Bandersnatch brinca justamente com mundos que colidem e se mesclam (a realidade e o jogo), e é isso que acontece conosco, com a nossa realidade colidindo com a do episódio. Neste aspecto, Brooker e sua criação atingem tons de genialidade.

Quem tem o poder de escolha?

Por mais que tenhamos o poder de escolha, o episódio ainda conta a história que quer contar. Assim, até que ponto vai o tal poder? Assim como o protagonista, qual é a sua capacidade de escolher? A narrativa já foi filmada e pré-estabelecida. Por mais que você escolha, ainda serão escolhas prontas, dadas de bandeja. Para completar, o especial ainda brinca com nosso poder de escolha, fazendo-nos tomar decisões aparentemente inúteis, que em nada interferem na trama principal.

Outro ponto inquestionável é que somos condicionados a escolher determinadas alternativas. Seja pelo próprio episódio ou por vivência anteriores, acabamos decidindo por opções que parecem mais lógica ou divertidas no contexto narrativo e ficcional. Sabemos, de certa forma inconscientemente, que escolher um livro misterioso pode ser muito mais divertido e proveitoso para a história do que escolher uma foto de família. Bandersnatch ainda vai além e provoca: você prefere matar ou desistir? Pular de um prédio ou deixar que pulem em seu lugar? No conforto de nossa realidade, e na ânsia para ver ação e se divertir, acabamos escolhendo a morte alheia.

No fim, o episódio nos controla. E a Netflix está de olho em você.

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Sobre o autor
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Matheus Pereira

Jornalista, curioso e viciado em cultura. Escreve há quase 10 anos no Mix e Six Feet Under é sua série favorita.

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