Crítica: Com sensibilidade, Genius: Picasso mantém a qualidade da antologia
Confira crítica da série Genius: Picasso, indicada ao Emmy.
“Minha mãe disse que se eu me tornasse um soldado, que fosse um general. Se escolhesse ser um padre, que virasse o Papa. Escolhi ser artista, e me tornei Picasso…”
O que torna uma pessoa genial? Como é viver com alguém considerado um grande ícone de seu tempo? Até que ponto os gênios são reais e até que ponto são inventados? Essas perguntas estão na raiz da antologia de biografias produzida pelo National Geographic Channel, Genius.
A série teve, em sua primeira temporada, a vida de Albert Einstein com a brilhante atuação de Geoffrey Rush (O Discurso do Rei, Les Miserables). Agora, foi a vez de Antonio Banderas (A Pele que Habito, A Máscara de Zorro) interpretar o artista espanhol Pablo Picasso, um dos principais nomes da arte ocidental do século XX, considerado o idealizador do movimento cubista e de novos parâmetros à prática artística.
A temporada, com seus 10 episódios, aborda momentos diferentes da vida de Picasso, da infância à morte, utilizando recursos de flashbacks, que chegam a ocupar metade do tempo de tela.
Por sinal, é a partir dos flashbacks que a produção comandada por Kenneth Biller e Noah Pink dá profundidade ao seu protagonista. A trama foge das convenções do gênero biográfico de que a excepcionalidade de uma pessoa se explica desde a infância. Com atuação destacada de Alex Rich como o jovem Picasso, vemos a construção de uma personalidade egocêntrica, rebelde e transtornada por traumas acumulados desde os primeiros anos de vida. O Picasso de Rich contrasta em alguns pontos com a interpretação do Picasso de Banderas, algo feito propositalmente para mostrar as mudanças da personagem devido às experiências de vida.
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Evolução do personagem é destaque
Talvez, o que mostre isso de forma mais clara seja sua forma de lidar com relacionamentos amorosos. Na juventude, vemos um Picasso mergulhado em paixões e idealizações, mesmo que concentrado sempre em seu trabalho. Já na velhice, o artista tem resistências a viver plenamente relacionamentos fixos, sob a justificativa de que “um artista deve ser livre”.
Os envolvimentos amorosos de Picasso também contaram com interpretações primorosas de várias atrizes, mas o destaque vai para Samantha Colley (Dora Maar) e Clémence Poésy (Françoise Gilot), que remetem a diferentes faces e momentos da vida do artista espanhol.
A atuação de Banderas, seguro do seu papel, transparece as inseguranças de Picasso, sua normalidade como ser humano, e, principalmente, a importância do mundo ao seu redor para a criação de suas obras. Isso tudo, numa reação sentimental e política aos eventos que abalaram a Europa na primeira metade do século passado. Em uma cena específica, na visita ao campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, o ator entrega com simplicidade a emoção e força de estar num ambiente repleto de dor e tristeza (não é difícil de acreditar que a cena tenha sido legítima).
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No que diz respeito à trama, os episódios têm como fio condutor a carreira profissional de Picasso, com enredos girando em torno de algumas das principais obras do artista, Ciência e Caridade, As Senhoritas de Avignon, Guernica, A Família de Saltimbancos, entre outros quadros.
Um ponto importante da narrativa é deixar claro como cada obra significa uma forma de Picasso se relacionar com o mundo, seja um sentimento de revolta por uma decepção amorosa, seja pela consternação com a violência e crueldade do mundo. Também é interessante como, apesar das obras serem o fio condutor, a série não tira a centralidade das pessoas, sem romantizar os quadros e dando mais espaço de tela ao processo de criação.
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A pincelada de mestre da série, certamente, é a introdução dos personagens icônicos que acompanharam Picasso em sua vida, como Appollinaire, Gertrude Stein, Ceorges Braque, Henri Rousseau, Max Jacob, e, claro, Henri Matisse. Dois episódios da temporada têm como foco a competição intelectual entre Matisse e Picasso em torno do título de principal artista de sua época. Desta forma, vemos um contraponto entre a época jovem dos artistas, disputando, e a velhice, mostrando-os como grandes amigos. Um mérito da produção foi não apresentar nenhum núcleo ou sub trama de forma deslocada; cada personagem tem uma razão de ser, seja no próprio flashback, seja no período da velhice de Picasso.
História que se torna orgânica
Alguns diálogos também dão organicidade à história, trazendo o cenário político, a circulação dos artistas entre os países da Europa, a repercussão de episódios como a morte de Van Gogh, a ascensão e queda do nazismo, entre outros. Uma cena de bombardeio em Paris por um dirigível Zepelim na Primeira Guerra Mundial é pontual, mas importante para a construção de uma politização de Picasso, por exemplo.
O elemento constante na personalidade do artista, bem alinhada nas interpretações, é sua arrogância, ora produtiva, ora prejudicial, que rende diálogos incríveis, como entre o velho Picasso e um agente da Gestapo (polícia nazista).
Com uma produção sensível e não tão presa às convenções do gênero biográfico, Genius: Picasso entrega uma temporada valiosa para os estudiosos e amantes das artes visuais, além de fornecer um retrato interessante da história da Europa a partir do olhar de uma das principais personalidades do século XX.
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Já estamos na ansiedade para a próxima temporada, que será focada na escritora Mary Shelley, autora do clássico Frankenstein. Elle Fanning (Malévola, Super 8), que já interpretou a escritora no filme dirigido por Haifaa al-Mansour, de 2017, estrelará o papel principal de uma das principais autoras da história.