Crítica: Com trama precisa, Luke Cage sobe a qualidade e faz crítica social na 2ª temporada

Crítica, com spoilers, da segunda temporada de Luke Cage, da Marvel/Netflix.

Imagem: Marvel/Netflix/Divulgação
Imagem: Marvel/Netflix/Divulgação

“Eu sou um negro de 1,90m. As pessoas sempre tiveram medo de mim”.

Nos últimos anos, temos visto um crescimento exponencial de produções sobre quadrinhos e super-heróis. Se, por um lado, esse boom traz o risco eminente da saturação do gênero (ou subgênero), por outro, permite que materiais fora das narrativas convencionais apareçam. E que tenham críticas sociais contundentes e uma reflexão sobre a própria maneira de contar histórias de personagens com habilidades especiais. É neste grupo que se localiza a segunda temporada de Luke Cage.

Mais ciente de suas limitações, como o valor reduzido de orçamento (refletida na pobreza dos efeitos práticos e visuais), a produção da série soube valorizar o que teve de melhor na primeira temporada. Assim, ela trouxe os meandros dos personagens muito mais do que ação ou uma grande trama vilanesca. Se a segunda temporada de Jessica Jones foi um estudo de personagens em torno do debate sobre traumas e passado, a atual temporada de Luke Cage é um estudo de personagens e de sociedade ao mesmo tempo. Isso, evidentemente, é favorecido pelo rico material de fonte que caracterizas as revistas do “negro à prova de balas”.

Condução que agrada… 

Os efeitos da primeira temporada estão muito presentes, como a morte e os estragos feitos pelo Boca de Algodão, as relações estabelecidas entre Luke e seus parceiros em Defensores (com várias referências aos eventos da série e a outros personagens), e a ideia central de que a série tem dois protagonistas: Luke Cage e o Harlem. A maneira como o seriado explora o lugar como um personagem vivo, um ambiente vivido por diferentes grupos étnicos, disputado com base em questões financeiras, mas também sentimentais, é cativante, e torna qualquer parede de papel um mero detalhe.

A trama, desta vez, foi mais entrelaçada, e colocou como ponto central uma pergunta aparentemente clichê e boba: “o que é ser um herói?”.

O questionamento ganha sentido não somente nas inquietações e tribulações de Luke, mas também na jornada individual da policial mais badass dos quadrinhos, Misty Knight. A perplexidade da personagem com todos os eventos em curso ao longo da série, desde a revelação da corrupção de seu parceiro Scarfe, ainda na temporada anterior, até o acúmulo incrível de mortes na atual sequência, moldam gradualmente as transformações de uma policial mais estrita à quase vigilante.

O fato de a série permitir diálogos mais longos, elaborados, fortaleceram a construção da personagem. E durante 13 episódios não só discutiu o papel dos heróis, mas da lei, e de todos nós na luta diária.

E que luta sangrenta! A segunda temporada trouxe um acirramento nas tensões entre Mariah Dillard (ou melhor, Stokes. Mariah Stokes) e Luke Cage, colocando-os como antagonistas, mas não de uma forma canastrona. Os rivais conversam bastante, se protegem, se atacam, se conhecem a fundo. Isso tudo por conta da entrada de um vilão controverso, o Cobra Venenosa, na história.

É vilão que vocês querem?

A trama, que parecia razoavelmente morna, é remexida pela aparição de Cobra Venenosa, um vilão aparentemente plano e clichê, mas que aos poucos vai mostrando algumas nuances interessantes para o roteiro. Filho de um antigo parceiro do avô de Mariah, “Bushmaster” tem como sua ambição e obsessão a vingança contra a família da vereadora, os Stokes. Para isso, pretende derruba-la por todos os lados, tomando seu dinheiro, seu clube, sua vida. É interessante como as motivações do vilão são tão simples, que podemos ver sua convivência cotidiana com parentes e amigos sem nenhum constrangimento. O uso da erva Nightshade, nativa do solo nutritivo e do clima da Jamaica, lugar de nascimento do vilão, permite que, em certo nível, Bushmaster rivalize com Luke, rendendo alguns sucessos no combate físico.

Mas nem de longe os combates físicos são o ponto alto dessa rivalidade com Luke. Primeiramente porque as lutas são ruins. Aproveitando a premissa de que o Nightshade fazia os dois personagens se equivalerem, a produção ignorou a interação deles com o ambiente, fazendo com que só se veja a força deles quando acertam alguma lata de lixo ou parede, mas sem mostrar, por exemplo, o estrago que um pisão forte dado no chão causaria. Mas o roteiro dá a volta nas lutas. Elas não são importantes. Nem mesmo as tais balas Judas ocupam um lugar relevante na história (felizmente!).

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O confronto entre protagonista e antagonista não chega a ser ideológico, e sim, emotivo, íntimo. Os dois vivem com grande raiva, mas também muito amor por seus próximos, e não sabem muito bem como lidar com esses sentimentos. No centro de tudo, está Mariah (que finalmente vira Black Mariah), com uma interpretação incrível de Alfre Woodard, uma personagem com tantas camadas que lhe deixa confuso de um ótimo jeito. Ela é vilã, cruel, maquiavélica, mas também detentora de um amor pelo Harlem, e um conjunto assustador de traumas.

Trazendo toda uma carga cultural e de crítica social própria, o jamaicano Johnny McIval também não foi o vilão convencional, como o Kid Cascavel na primeira temporada. Ele não só tinha muitas camadas, como nos deu muitos motivos para acreditar em sua jornada sangrenta. O fim da temporada deixa muitas pontas soltas, principalmente quanto ao vilão, o que pode ser um grande mote para a continuidade, ou um imenso furo de roteiro.

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Imagem: Marvel/Netflix/Divulgação

Há ainda de se destacar alguns pontos…

A temporada poderia facilmente ter como subtítulo “Enter Misty Knight”, pois a personagem não só ganhou o icônico braço biônico, como recebeu muito mais espaço na tela, rendendo algumas das melhores cenas e diálogos de toda a temporada.

Além disso, tivemos a participação do núcleo de Punho de Ferro, com Danny e Collen. A presença de Danny pareceu algo mais voltado para promover o personagem, em baixa após sua primeira temporada, mas rendeu um bom episódio de interação entre ele e Luke, bem como deu aquele arrepio aos fãs dos quadrinhos pelas referências em outros episódios ao “Hero for Hire”, parceria tradicional dos dois personagens. Além disso, parece que algumas coisas ditas por Collen e Danny tem o papel de anunciar aspectos da próxima temporada do Imortal Punho de Ferro, mas teremos de esperar para ver.

Por fim, vale destacar a atuação dos vários coadjuvantes, como Claire Temple, menos participativa nesta temporada, Tilda Dillard, filha de Mariah, Shades, e tantos outros que não só contribuíram para a boa atuação de Mike Colter, como rechearam o roteiro de bons diálogos e críticas sociais importantes. Um destaque a parte para Reg. E. Cathey, que fez o reverendo pai de Luke, mas faleceu durante a produção, e acaba saindo no meio da história. Sua voz marcante e as lições que passa ao protagonista são centrais ao desenvolvimento da história e ao estudo de personagem em torno de Luke. Ao fim das contas, ficamos em dúvida se Luke é um herói, um potencial vilão, ou simplesmente um cara tentando fazer o que é certo para o Harlem. O que importa, no apagar das luzes, é que o “heroísmo é algo que vem de dentro, do âmago”.

Qual será o futuro do personagem?

O momento “Poderoso Chefão” do último episódio deixa em aberto o lugar de Luke Cage nas séries da Marvel e na sua própria história. Será ele o novo rei do Harlem? Ou rapidamente um candidato a senhor (ou senhora, Tilda?) do pedaço colocará Cage de volta à ativa como mocinho típico? Essas respostas só poderão ser alcançadas na terceira temporada.

Luke Cage é uma série com ritmo próprio, que soube valorizar os aspectos importantes e preciosos da história contada. O Harlem é um protagonista, a cultura negra, em todas as suas facetas, é outra protagonista fundamental. Luke e os demais personagens são os motores para uma crítica social que tem seu grau de refinamento e bom-humor.

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Se não há ninjas pulando em telhados, ou alienígenas vindo por todos os lados, há uma história com muito coração e crítica ao mundo em que vivemos, racista, classista.

Leia mais: O ranking de todas as séries da Marvel – qual a melhor?

Sobre o autor
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Luiz Alves

Historiador, pesquisador em saúde, fã de histórias em quadrinhos e jogador de RPG de longa data. Adoro sitcoms de Seinfeld a Brooklyn Nine-Nine, cresci vendo dramas como House, e me apaixonei pelo suspense de Hannibal e a fantasia de Penny Dreadful. Escrevo no Mix desde 2017, fazendo reviews de séries baseadas em quadrinhos, dramas e outras por aí. Atualmente, faço as reviews de New Amsterdam.

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