Crítica: Euphoria capricha no visual e nos personagens, mas não impacta como o esperado

Euphoria chega a HBO com visual arrojado e grandes atuações. Falta um pouco de sutileza nos discursos, mas ainda é uma interessante novidade.

Euphoria estreia com o pé na porta, trazendo visual arrojado e ótimas atuações. Não é tão chocante como dizem, mas isso não é defeito.

Dias antes de assistir a estreia de Euphoria na HBO, conferi o longa Fora de Série (Booksmart, Olivia Wilde). No filme, acompanhamos duas meninas que, no dia da formatura do ensino médio, resolvem tirar o atraso da diversão e mergulhar em uma festa que promete mostrar a todos como ambas são descoladas. Dias depois assisto Euphoria e a experiência é curiosa: ambos, filme e série, abordam temáticas semelhantes e possuem sequências similares, com destaque a uma cena na piscina durante uma festa.

Começo com este comentário para apontar que, apesar de alguns pontos em comum, as abordagens e estilos são totalmente distintos. Euphoria adota uma edição ágil e uma fotografia banhada em neon para construir um visual, mas o principal ponto é a crueza e sinceridade adotadas pelo texto. Na trama acompanhamos Rue (Zendaya), uma jovem ansiosa que adota o uso de drogas como forma de se sentir bem e fugir dos problemas que guarda dentro e si. Enquanto narra a própria vida, Rue passeia pela cidade contando um pouco sobre alguns amigos e conhecidos da escola, jovens igualmente problemáticos e afogados em hormônios.

Série capta as nuances da vida adolescente com inteligência e sinceridade

Euphoria, entretanto, não se furta do humor para contar sua história. Pelo contrário: os poucos momentos engraçados surgem de forma inesperada, seja por um comentário da garota ou por uma gag visual rápida (como a montagem que mostra as mortes de Van Gogh, Sylvia Plath e Britney Spears em colapso). Através de uma narração sincera e direta, Rue capta os anseios e discursos de milhares de jovens, dentro e fora da tela. Neste sentido, Euphoria faz um excelente trabalho ao trazer o olhar de uma jovem acerca de seus medos, perspectivas e contexto social, político e cultural.

Aqui, o criador e roteirista Sam Levinson (do bom filme Assassination Nation) faz um ótimo trabalho ao criar uma voz autêntica para Rue. Ainda que a garota demonstre grande desenvoltura e riqueza na verborragia, não temos a sensação de que ela é apenas uma personagem jovem lendo o texto escrito por um adulto que, por sua vez, tenta pensar e escrever como um adolescente. Com isso, Levinson se sai imensamente bem ao captar as nuances da vida adolescente, demonstrando compreender as difíceis dinâmicas que se criam entre os jovens contemporâneos.

Chega de exageros: Euphoria não é tão pesada e chocante como alguns afirmam

Ainda assim, o público e a imprensa precisam se acalmar e baixar a bola. Ao menos no piloto, não há nada de muito chocante ou impactante como tantos alardearam antes da estreia. É uma mania atual criar um monstro (bom ou mau) acerca de algum projeto. Para chamar atenção, chavões e polêmicas são criadas. No caso de Euphoria, muitos berraram que a série seria muito pesada, que a HBO teria cortado cenas muito chocantes, que trinta pênis apareceriam num mesmo capítulo.

Não sabemos se os próximos episódios serão mais pesados, mas o piloto não apresenta nada de muito chocante ou novo. Nada que outras séries da HBO já não tenham mostrado, por exemplo. Quem já viu Skins pode encarar Euphoria como um passeio no parque, ou ao menos como uma experiência semelhante neste sentido. Há nudez, palavrões, consumo de drogas e violência, mas este é o mundo jovem moderno, e Euphoria até ameniza algumas passagens.

O próprio roteiro escancara essa realidade. Em certo ponto, Rue discute sobre a troca de nudes, afirmando que as fotos de nudez são a moeda do amor moderno, e que isso acontece com frequência muito maior do que todos acreditam. É preciso parar com o julgamento, ela afirma. É claro que o projeto aborda assuntos delicados e possui uma parcela de sequências fortes, de impacto visual e narrativo, podendo despertar vários e perigosos gatilhos. O ponto é que Euphoria vai em direção à realidade, e não pretende fugir dela.

Falta sutileza e confiança no próprio texto para que a série fique ainda mais rica

De todo modo, Euphoria erra a mão em alguns pontos. Para começar, é uma série pouco sutil, principalmente devido à narração de Rue. A novidade da HBO aborda diversos tabus, mas ao invés de deixar a interpretação e discussão para o público, resolve assinalar e comentar praticamente toda as problemáticas. Não resta muito espaço para interpretação e debate quando o programa martela o assunto na sua cabeça. Falta polimento e confiança para deixar que o texto e as cenas fluam de forma natural e independente.

Ao verbalizar certos momentos, Euphoria se enfraquece, pois parece adotar um discurso pálido, tirado diretamente de um grupo de Facebook. Apesar de estar falando de algo importantíssimo, a série prejudica o discurso justamente por explicitá-lo. Bastava deixá-lo vagando para que atingisse o público. Em determinadas cenas, ao descrever o problema, Euphoria parece apenas querer lacrar e virar xodó na internet.

A falta de sutileza vai além, destruindo até as metáforas propostas. Não bastava Rue ser um avatar de sua geração, ela precisava nascer três dias depois dos atentados de 11 de setembro. É como se o roteirista jogasse na nossa cara: Rue é uma filha do 11 de setembro, ela é uma vítima indireta do mundo que veio após os atentados. O problema não está na ideia. Rue é, indiscutivelmente, um produto da América pós-ataques, mas isso já fica claro pela sua idade, comportamento e comentários. O problema é achar que o público não entenderia isso. O mesmo serve para os plot twists, muitas vezes gratuitos.

Elenco excepcional e visual caprichado estão garantidos

De todo modo, são pecados pequenos se comparados aos vários acertos. O elenco é excepcional, com destaque, claro, a Zendaya, que mergulha na pele e na mente de Rue. Visualmente, Euphoria é um presente aos olhos. A edição, meticulosa, cria um ritmo quase alucinante ao projeto, recebendo destaque principalmente por acompanhar a narração rápida de Rue com cortes ainda mais velozes. Já a fotografia se destaca ao trazer cenas banhadas em luz do sol durante o dia (dando um bem-vindo tom suburbano) e neon à noite. Outro destaque é a direção, não só notável no comando dos atores, mas no uso da câmera (com destaque para a sequência sem cortes que acompanha Rue saindo de um cômodo depois de se drogar)

Com oito capítulos, Euphoria tem muito a crescer. Continuando no nível da premiere, a série pode se tornar uma das melhores e mais interessantes do ano. É preciso aparar algumas arestas e confiar mais no próprio material. Além disso, o público precisa conter as expectativas e encarar o programa de forma séria e adulta. Euphoria não é um monstro, um produto pornográfico ou mera diversão. Euphoria está do lado de fora – ou mesmo dentro de casa.

Sobre o autor
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Matheus Pereira

Jornalista, curioso e viciado em cultura. Escreve há quase 10 anos no Mix e Six Feet Under é sua série favorita.

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