Crítica: That ’90s Show é despretensiosa e nostálgica na medida certa
That ‘90s Show é a nova série da Netflix, uma espécie de derivada para That '70 Show. Mas revival valeu a pena?
Revivais são difíceis. Mas isso não impede a indústria de os fazerem com uma frequência assustadora. Ainda assim, missão difícil de concluir. Esse é o cenário com That ‘90s Show, uma série derivada de um novo clássico do fim dos anos 90 que já havia mostrado uma queda na qualidade em suas últimas temporadas.
Além disso, a série-mãe, That ’70s Show, já havia tentando também um spin-off mal-sucedido assim que concluiu sua trama na oitava temporada. Com tudo isso, haveria espaço para um cenário positivo?
Entre o velho e o novo
A resposta é sim – felizmente! Para navegar nas águas do revival, a nova produção precisava encontrar o equilíbrio perfeito entre evocar a obra antiga e se estabelecer como um material novo.
Assim, mesmo entendendo que no momento inicial o público esteja interessado em rever os velhos conhecidos, foi de suma importância a noção de que desde o primeiro momento os novos rostos deveriam se provar como carismáticos e dignos de uma maratona.
Aqui, a Netflix lembra seus tempos mais coerentes quando lançou Fuller House. Ali, a plataforma fez uma continuação despretensiosa que, além de muito divertida de assistir, chamava a atenção do público com os velhos personagens, mas te fisgava com aquele elenco recheado de novos filhos divertidos e nova situações descontraídas.
Em That ‘90s Show, essa transição tranquila entre passado e presente tem nome, ou melhor, dois nomes: Kitty e Red.
Personagens com fôlego para mais
A produção em questão não aconteceria sem o maior casal da obra original. Nada de Eric e Donna, Kelso e Jackie, ou Jackie e Kelso! Sem dúvida, o maior casal de That ‘90s Show são os pais do protagonista, que a cada episódio cresciam com o público e conquistavam mais espaço na série.
A decisão de trazê-los de volta encontra o equilíbrio perfeito entre resgatar algum personagem original e, ao mesmo tempo, não desgastar a imagem de quem já estrelou uma série de oito temporadas com mais de vinte episódios anualmente.
Aliás, a preservação do grupo original, marcado por participações pontuais que, no geral, pouco interferem na trama central mostra a preocupação em conservar o que já passou. O que passou, passou! É hora de se construir algo novo.
Dessa forma, Kitty e Red se encaixam como um bom resgate, mas ainda com gás para mais histórias por serem coadjuvantes de luxo (e bota luxo nisso), não necessariamente protagonistas titulares.
Saudades de si mesmo
Infelizmente, That ‘90s Show sofre do mesmo mal que muitos produtos que revivem produções anteriores: ele só funciona para um grupo específico.
Não é impossível se envolver na trama sem conhecimento prévio daquele universo, mas imagino ser um desafio até de vontade, pois desde o primeiro momento, tudo aquilo parece muito um presente para quem já está conquistado por aquela ambientação e pouco preocupado em captar novos telespectadores.
Um forte sinal disso é o tipo de humor usado na série. Em That ‘70s, por óbvio, o fato da trama se passar nos anos 70 é alvo de grande parte das piadas das histórias dos episódios – seja nas referências aos filmes em cartaz, alusão às bandas do momento e paródia da forma como se festejava à época.
No seriado da Netflix, tão pouco se usa disso que parece que a série nem se passa nos anos 90 de fato, salvo uma ou outra referência histórica.
No mais, ‘90s não se reconhece muito como uma experiência nostálgica noventista. Em vez disso, é mais uma nostalgia de uma série de vinte anos atrás que baseia seu humor fortemente em replicar o humor de outrora. Dito isso, é bom reforçar que tal fator não é necessariamente ruim. Pelo bem da verdade, só não é bom.
Pobre de quem não sabe voar
Fato é: sitcoms são produtos de seus tempos. Numa época em que a febre era as séries com dinâmica de amigos, nasceu That ‘70s Show. Mais de vinte anos depois, vem ao mundo sua continuação e ela é cria de seu tempo igualmente.
Assim, nos anos 90 desse universo, as tramas são ainda mais adolescentes e os estereótipos são aquilo que seus realizadores concluíram que iria ressoar bem com os jovens de hoje em dia.
Dito isso, não há nenhum ator jovem tentando pela metade. Todos parecem entregues em fazer aquilo dar certo. Jay, interpretado por Mace Coronel, mergulhou na linguagem corporal e timing cômico de Ashton Kutcher para dar vida ao filho de Michael Kelso. Leia, personagem principal, é tão esquisita (no bom sentido) como Eric, brilhante criação de Topher Grace.
Todos tem seu carisma no texto, tramas simples de assimilar e simpatizar e momentos bons para brilharem. Inclusive, destaca-se as interações com o elenco mais velho. Por isso, concluo com um pensamento da autora Glória Perez, que afirma que suas novelas são tramas feitas para o público viajar, voando, e defende-as com a frase “pobre de quem não sabe voar!”
Nota: 4/5