Crítica: Treta, da Netflix, diverte e incomoda na mesma medida

Treta é mistura de Um Dia de Fúria com cinema independente. Na série da Netflix, tudo é regado a humor e incômodo.

Treta

Treta (Beef), nova série da Netflix, é o que Um Dia de Fúria seria se fosse lançado pela A24. No longa de Joel Schumacher lançado nos anos 1990, Michael Douglas perdia a cabeça depois de encarar as agruras do cotidiano.

Um congestionamento, um mau atendimento no restaurante, um preço abusivo no mercadinho. É o bastante para que o proletariado pegue um taco (ou uma semiautomática) e expurgue por aí.

Pois o drama não precisa de grandes acontecimentos para existir. Asghar Farhadi, um dos grandes contadores de histórias contemporâneo, sintetiza isso em seus filmes. A Separação, O Passado, Um Herói, todos giram em torno de coisas simples ou até mesmo pequenas que tomam dimensões enormes graças à má gerência de palavras e atos por parte de pessoas comuns.

Na maioria das vezes há uma falha na interpretação, um equívoco de comunicação.

Um Dia de Fúria Vários dias de fúria

Treta parte deste princípio e, como Crash (controverso vencedor do Oscar em 2006), começa a partir de um acidente automobilístico. Ou melhor: um quase acidente. É o estopim para o total descontrole de duas pessoas que, em suma, já haviam perdido o controle há muito tempo.

O grande acerto de Treta (Beef), neste sentido, é entender que há humor na situação, mas há também uma tragédia imensurável em duas pessoas que se desentendem por basicamente nada.

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Desta forma, a série é um espelho do que acontece na internet atualmente. Muitos consideram algum comentário, post ou imagem como uma ofensa direta, partindo para um ataque agressivo e descabido.

Em nossa atividade, por exemplo, ao criticarmos determinada série ou filme, somos atacados por fãs que se sentem pessoalmente ofendidos por apontarmos algum problema. A treta começa quando respondemos e criamos, assim, uma discussão eterna cujo sentido é perdido logo nos primeiros argumentos.

Série é um retrato da internet e do fracasso norte-americano

Mas Treta não só compreende muito bem o cenário online no qual nos encontramos, mas também tem uma apurada leitura da cultura e da economia norte-americana. Apesar de constantemente rechaçado, o sonho americano segue sendo buscado. Isso cria uma sociedade cada vez mais frustrada, principalmente depois da crise de 2008.

Essa frustração é como uma parte da genética que está adormecida, esperando uma colisão para aparecer, como uma doença.

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Assim, apesar de encontrar alguns escapes na briga dos dois protagonistas, Treta entende que a falta de diálogo é justamente o que está acabando com a harmonia social. Desta forma, Steven Yeun e Ali Wong entendem e absorvem seus papéis com inteligência e cuidado.

Evitando cair em caricaturas, a dupla percebe que Danny e Amy estão quebrados. Não só do ponto de vista financeiro, mas ambos enfrentam problemas profundos e quase irreversíveis. Neste sentido, os dois não encontram antagonismo um no outro, mas catalisadores.

Irônica no uso de música e elementos, Treta pode divertir e incomodar na mesma medida. A reação varia conforme a sua propensão à treta ou à paz. Qual você escolhe?

Nota: 3,5/5

Sobre o autor
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Matheus Pereira

Jornalista, curioso e viciado em cultura. Escreve há quase 10 anos no Mix e Six Feet Under é sua série favorita.

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