Irregular e repetitiva, segunda temporada de Desventuras em Série decepciona
Desventuras em Série retorna irregular, repetitiva e até mesmo irritante, resultando em uma decepcionante segunda temporada.
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Os livros escritos por Daniel Handler, em tese, são perfeitos para serem adaptados à televisão. Além do próprio título, perfeito para uma série de TV, a estrutura da saga combina com a abordagem televisiva. Dividida em treze volumes, a odisseia dos irmãos Baudelaire já ganhou as telas de cinema em uma adaptação protagonizada por Jim Carrey. Anos depois, a Netflix, poderosa e esperta, resolveu trazer as (des)aventuras dos três irmãos de volta à luz. Parecia a jogada certeira! Trazer o autor dos livros como roteirista principal, convocar o diretor Barry Sonnenfeld (experiente em fábulas como Pushing Daisies e Família Adams), colocar Neil Patrick Harris como Conde Olaf e caprichar no visual.
A primeira temporada, apesar de inúmeros defeitos, convenceu e divertiu.
Desde o princípio, contudo, Desventuras em Série sempre pareceu um programa de possibilidades, cheio de potencial, mas pouca comprovação. O visual, fortemente inspirado no filme, era bacana, mas poderia ser ainda melhor. O roteiro, metido à esperto, poderia ser mais original e ousado. Harris é talentoso, mas não funciona no papel. Em resumo, é um show que está sempre “quase lá”. Agrada, envolve, mas nunca entrega tudo que promete ou pensa realizar. Essa falha fica ainda mais explícita na segunda temporada, uma investida irregular, repetitiva, tola e muitas vezes irritante.
No segundo ano, os irmãos Baudelaire continuam sua jornada tentando sobreviver com diferentes tutores e sob diferentes ameaças.
Jogados em um instituto perdido no meio do nada, as crianças logo encontram órfãos amigos e vilões com péssimas intenções. E, logo de início, a segunda temporada acerta. Os dois primeiros episódios chegam com fôlego, prometendo mudanças positivas e sugerindo uma boa temporada. A maioria dos problemas passados parecem corrigidos. Harris está mais contido e confortável no personagem, o roteiro parece mais adequado ao formato televisivo e o projeto parece ter encontrado sua identidade, deixando o filme e Jim Carrey para trás.
Tudo vai por água abaixo nos insuportáveis capítulos três e quatro, que formam a segunda história da temporada (que adapta o sexto livro). Bo Welch, responsável pela direção de arte, assume o posto de direção e comanda dois episódios sem ritmo, cansativos e completamente descartáveis. Aqui, Harris novamente começa a cansar com seus exageros e beira o insuportável com um interminável número musical que encerra o terceiro capítulo.
É um momento tão baixo na série que a vontade é de abandonar o programa ou simplesmente pular para o episódio seguinte.
Aqui, percebe-se que Neil Patrick Harris, ainda que inegavelmente talentoso e carismático, não serve ao papel de Conde Olaf. O ator não peca pelos exageros, mas por sempre atingir apenas uma nota em sua performance: não há nuance, não há diferenças entre os disfarces. Há apenas Harris sendo Harris, sob pesada maquiagem e utilizando o mesmo tom de voz e gags que nunca tiveram graça. O curioso é que o ator se sai melhor quando precisa interpretar Olaf em si, sem disfarces. Ao vestir o figurino, perucas e acessórios de outrem, perde-se e quase põe tudo a perder em uma sucessão de repetições enfadonhas.
Este, aliás, é um dos principais problemas da série – algo que, provavelmente, tem origem nos livros: a história é sempre a mesma. No início até achamos engraçado o Conde Olaf se disfarçando e tentando acabar com os Baudelaire, enquanto tolos adultos são facilmente enganados. O problema é que isso cansa depois da quinta vez. O processo é sempre o mesmo. As crianças chegam em um lugar novo, ficam sob os cuidados de uma nova pessoa, Olaf chega disfarçado, engana a todos, tenta matar os irmãos, é desmascarado e foge. A primeira temporada inteira se baseou nisso e a segunda insiste na ideia.
Por mais que Daniel Handler tenha escrito treze (!!!) livros com a mesma trama, a série não precisava seguir à risca as páginas dos romances. Inovar, principalmente em uma adaptação para a TV, é vital. Literatura e audiovisual são duas artes completamente distintas, e por mais que as desventuras dos Baudelaire funcionam em texto, elas certamente não estão funcionando em áudio e vídeo.
Mas nem tudo em Desventuras em Série é tragédia – literal e figurativamente.
A direção de arte é boa, embora derive demais do filme e de outras séries e filmes. A fotografia também salta aos olhos, fazendo par à competente trilha sonora. Os atores mirins também merecem elogios, assim como a equipe de efeitos visuais, que fez um trabalho muito superior àquele visto no primeiro ano. Barry Sonnenfeld também faz um bom trabalho como diretor, e não é à toa que os melhores capítulos são aqueles dirigidos por ele.
Desventuras em Série encontra bons momentos pelo caminho e parece recobrar o fôlego nos episódios finais.
É uma pena ser tarde demais e a temporada soar como um desperdício de tempo e talento. Desventuras tem tudo para ser um grande programa, saltando como notável sucesso de público e crítica. Do jeito que é, contudo, é apenas uma série mediana com muito potencial descartado.