Senna é biografia correta e bem executada, mas não arrisca | Crítica
Senna é superprodução brasileira sobre um dos personagens mais icônicos do país. Abordagem chapa-branca, contudo, prejudica resultado final.
Recentemente, em uma entrevista para promover seu novo filme, The Brutalist, o roteirista e diretor Brady Corbet revelou que preferiu criar um personagem fictício do que se basear na vida de alguém específico. Em sua narrativa, o protagonista é um amálgama de diversas figuras, pois, para ele, “uma biografia é uma ficção”, independente do intuito da produção em criá-la como verdade. Senna, nova série da Netflix, encontra suas principais discussões neste frigir entre realidade e ficção.
Pois Senna se sai maravilhosamente bem ao recriar uma época, bem como suas figuras mais destacadas. Desta forma, o público é transportado para as décadas de 1980 e 1990 através de uma belíssima reconstrução de cenários e figurinos. É um esmero tão grande que, para o espectador brasileiro, a conexão se dará quase de forma imediata. Basta ver a vibração da população nos minutos iniciais, acompanhando uma corrida de Ayrton, para lembrar ou entender o fenômeno que foi o sujeito e seu talento.
Senna é biografia chapa-branca de personagem ilustre
Senna, contudo, passa por diversos filtros que acabam enfraquecendo sua personalidade. Neste sentido, a série abraça todos os tropos das biopics norte-americanas e entrega o básico do formato. Há o início com o flashback trágico, uma breve sequência durante a infância, os primeiros anos e as relações de amor e rivalidade que moldaram a persona de Ayrton Senna frente ao público.
O roteiro, entretanto, bate em uma parede: o “heroísmo” de Ayrton Senna. O piloto é um dos maiores nomes da história do Brasil. Ídolo de milhares, ele ainda é lembrado e respeitado como um marco no esporte mundial. Com tamanho gigantismo, é difícil traçar um retrato negativo do sujeito. Desta forma, Senna é uma versão “chapa-branca” do homem e do profissional que ele foi. Assim, raramente vemos algo negativo sobre ele e suas relações.
Não que Ayrton fosse uma pessoa ruim, mas é difícil pensar que, em um universo tão complexo e volátil, as polêmicas não fossem frequentes. Com isso, Senna opta por não se aprofundar nos pontos delicados da personalidade de Ayrton enquanto pessoa e profissional. Assim, os romances, por exemplo, embora pincelados, tentam ficar longe das polêmicas que permearam os tabloides da época.
Elenco brilha em produção cheia de acertos
Ainda assim, Senna é um belo passeio por uma época ao lado de uma das figuras mais importantes da cultura popular brasileira. E o elenco, liderado por Gabriel Leone, faz um excelente trabalho. O ator, aliás, sabe dosar o carisma de Ayrton com a ambição quase descontrolada do corredor.
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A série, então, parece ter entendido bem a abordagem de bons filmes como Rush e Ford v Ferrari. E por citar estas produções, vale apontar que as sequências de corrida são brilhantes, não devendo em nada às grandes produções hollywoodianas. Nestes momentos, edição e direção brilham com notável controle técnico.
Objetiva em seus seis episódios, Senna é uma boa produção nacional acerca de um personagem maior do que a vida. A impressão que fica, entretanto, é que, ao terminar, não passamos a conhecer um Ayrton Senna que não conhecíamos. Parece que apenas espiamos um pouco mais da vida de uma figura pública que, de certa forma, já nos era cativa. Em outras palavras, vimos o Senna que já estávamos acostumados – o Ayrton da Silva, entretanto, talvez nunca conheceremos.
Nora: 3,5/5