The Staircase: série documental traz discussões, reviravoltas e entretenimento de primeira

Série documental da Netflix traz discussões complexas, perguntas difíceis e puro entretenimento, sendo um dos produtos mais completos e envolventes do ano.

Imagem: Netflix/divulgação

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Um dos nichos mais ricos da Netflix, e que recebe investimento pesado da plataforma, é o das séries documentais. Apesar de ter diversos filmes em seu catálogo, a Netflix não deixa de ser uma espécie de canal de TV e, assim, é compreensível que a empresa expanda cada vez mais o seu acervo de programas informativos e de variedades.

O primeiro docuseries (como são chamados os documentários em série) a chamar atenção do grande público foi Making a Murderer, sucesso de público e crítica que envolveu a audiência com uma trama complexa e cheia de reviravoltas, típica das ficções mais espertas da atualidade.

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Agora, a plataforma investe em The Staircase, docuseries lançado originalmente em 2004, tendo sido exibido em alguns canais até retornar com dois novos capítulos em 2013. Em 2018, outros três episódios chegam à Netflix, contando o desfecho do caso. A plataforma traz a série na integra, com as oito partes iniciais, mais os dois seguintes e os novos, formando uma potente obra dividida em 13 episódios.

Comandado por Jean-Xavier de Lestrade, o documentário acompanha o caso de Michael Peterson, um escritor acusado de assassinato depois que sua esposa é encontrada morta nos pés de uma escada. Enquanto Peterson jura inocência, afirmando que a morte fora resultado de uma queda acidental, a promotoria insiste que Kathleen fora brutalmente assassinada.

Mistério e muitas perguntas: prato cheio para uma maratona

Assim como Making a Murderer, portanto, The Staircase se desenvolve em volta do mistério: seria o protagonista culpado ou inocente? A morte foi resultado de um acidente ou de um crime? Este texto não trará grandes spoilers sobre o programa, mas é preciso dizer que os realizadores assumem o ponto de vista da defesa e do acusado. Assim, acompanhamos o caso e os bastidores de um lado. Neste sentido, somos levados a acreditar que Michael é inocente, o que nos impede de tomar uma decisão mais aprofundada sobre o caso.

Apesar de abordar um tema delicado, e que levanta diversas discussões (que abordaremos a seguir), The Staircase é entretenimento de primeira linha, sendo um dos melhores exemplares de docuseries disponíveis. Lestrade e sua equipe mergulham na vida da família Peterson e no caso da morte de Kathleen, trazendo questões que fogem dos limites do julgamento e investigação. De forma hábil, a minissérie levanta questões espinhosas: para começar, independente do fato de Michael ser inocente ou não, o sistema judiciário norte-americano é extremamente problemático. Embora acredite firmemente em seus poderes e na sua liberdade, os Estados Unidos sofrem com um sistema corrupto e tristemente perdido em suas próprias pernas.

Fortes críticas ao sistema norte-americano compõem a discussão

Assim, Lestrade não tem medo de colocar o dedo na ferida e criticar duramente o sistema e as pessoas que mantêm as engrenagens sujas e em funcionamento. Fica claro, logo de início, que a vida de Peterson, culpado ou inocente, ficará nas mãos de um juiz tendencioso e despreparado, um júri perdido e uma promotoria cega e disposta a tudo para vencer. O documentário vai além, e ainda aponta a selvageria de um sistema puramente capitalista. O sistema de defesa quando não é falho (já que é disponibilizado pelo governo) é puramente mercadológico.

O próprio Michael Peterson levanta a questão ao afirmar que um acusado pobre jamais conseguiria obter a defesa necessária, já que o serviço custa milhares de dólares. Sua família, com ótimas condições financeiras, consegue bons advogados, especialistas, técnicos e uma vasta equipe; mesmo com todo o poderio à disposição, o acusado sofre para se defender. O que esperar de uma pessoa sem posses que precisa contar com a boa vontade de um advogado cedido pelo governo?

Imagem: Netflix/divulgação

Além das discussões propostas, The Staircase é entretenimento dos bons, merecendo uma maratona, principalmente porque os episódios são tão bem construídos que envolvem e convidam para o capítulo seguinte. A montagem ágil é o que faz o diferencial, fazendo com que o documentário não deva nada aos dramas e suspenses criminais da ficção, como American Crime Story ou The Good Wife. São tantas as surpresas e personagens multifacetados que The Staircase envolve o espectador e não solta até o último segundo.

Lados, ética e omissões: qual a sua posição?

Apesar de toda a qualidade e entretenimento, a abordagem do documentário levanta algumas discussões: Lestrade, o criador do programa, visivelmente se posiciona a favor de Michael e, assim, dá muito mais espaço à defesa e às jogadas dos advogados. Com isso, o diretor pinta seus quadros como bem entende: a promotoria é claramente exibida como a grande vilã, o mesmo acontece com a irmã de Kathleen, que se posiciona contra Michael. O acusado, por outro lado, é retratado como um homem bom, de família, e com forte consciência política e social. Nas lentes de Lestrade, ninguém consegue duvidar da inocência de Peterson.

O problema é que Lestrade visivelmente omite alguns pontos importantes, e o próprio diretor acaba revelando seus truques no nono episódio, quando precisa fazer um comentário acerca de algo que havia omitido nos oito episódios anteriores. Entenda (pequenos spoilers a seguir): nos oito capítulos lançados em 2004, Lestrade não fala e não se aprofunda em alguns detalhes envolvendo o sangue encontrado na vítima e na cena do crime. Para piorar, nada é dito com relação a uma bermuda de Michael, manchada de sangue, e que foi prova importante para o veredito.

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Já nos episódios lançados em 2013, é justamente a bermuda manchada de sangue que pode inocentar o acusado. Com a nova reviravolta, Lestrade é obrigado a falar sobre algo que omitira anteriormente. Com isso, a ética do programa fica balançada: os realizadores teriam omitido propositalmente este detalhes ou não houve tempo de abordar todos os detalhes? Com horas quase infindas de filmagens, é possível que não houvesse espaço para esse ponto nos capítulos anteriores. De qualquer forma, isso é importante para percebermos que tudo que assistimos passa por um filtro complexo da equipe.

Pois um documentário tem praticamente três pontos de vista, três pilares nos quais se desenvolve: há a visão dos personagens, a visão dos realizadores e a da audiência. Cada um destes pilares tem suas convicções e interpreta as informações de uma forma. Ao criar seu documentário, o roteirista e diretor Lestrade compõe uma obra baseada em seu olhar, em seus posicionamentos artísticos, sociais e políticos. Assim, The Staircase é um produto de uma época sob o prisma de um artista específico. No fim, devemos ter o nosso próprio ponto de vista e tirarmos nossas próprias conclusões. Assista o documentário, pesquise sobre o assunto e depois se pergunte: foi acidente ou crime? Culpado ou inocente? Às vezes o final é incerto, mas o desenvolvimento é imperdível.

Sobre o autor
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Matheus Pereira

Jornalista, curioso e viciado em cultura. Escreve há quase 10 anos no Mix e Six Feet Under é sua série favorita.

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