Altered Carbon: o futuro da humanidade em um promissor espetáculo visual
Crítica da primeira temporada de Altered Carbon, sem spoilers, disponibilizada no Brasil pela Netflix.
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Enquanto vivemos em uma sociedade obcecada pela aparência e concentrada na qualidade de vida para uma maior longevidade, no futuro distópico de Altered Carbon a humanidade já conseguiu quebrar essa barreira e, através da tecnologia, atingiu o privilégio da imortalidade, ou de algo muito próximo disso.
Os conceitos pilares da trama são estampados logo na abertura da série, na figura do ouroboros, a serpente em formato de infinito que engole a própria calda, que em várias culturas representa a imortalidade e recomeço.
Baseada no livro de mesmo nome do escritor Richard K Morgan, a nova ficção científica da Netflix mergulha fundo nesse mundo, anos a frente, onde os humanos podem prolongar sua vida através da “digitalização da consciência” que agora pode ser transferida para um dispositivo similar a um HD externo, chamado “stack”, implantado no pescoço da pessoas assim que elas completam um ano de idade. Esse artifício possibilita que as pessoas troquem de corpos – que aqui são reduzidos à meras “capas”, totalmente descartáveis -, prolongando suas vidas e evitando a “morte verdadeira”.
Os Estados Unidos agora são chamados de Protetorado, nova ordem estabelecida há mais de 250 anos. A trama se passa em Bay City, anteriormente conhecida como San Francisco, uma metrópole populosa, repleta de letreiros neon, com projeções holográfica para todos os lados que convidam os transeuntes para clubes de sexo ou arenas de luta livre. É impossível não lembrar do universo de Blade Runner aqui.
Joel Kinnaman dá vida ao mercenário Takeshi Kovacs, um ex-oficial do Protetorado que se uniu ao movimento de resistência ao novo estilo de vida da terra, os “enviados”, mas que foram derrotados durante um grande confronto, que ficou conhecida como Batalha de Stronghold. Depois de anos “na nuvem”, Kovacs é trazido de volta para investigar a tentativa de assassinato sofrida por Laurens Bancroft (James Purefoy), um poderoso e excêntrico milionário, com a promessa de reconquistar sua liberdade.
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É essa tentativa de assassinato que guia a trama da série ao longo dos 10 episódios escritos por Laeta Kalogridis (Avatar) e apresentam outros e essenciais personagens: a policial Kristin Ortega (Martha Higareda); Poe, uma inteligência artificial que controla um hotel (Chris Conner), o hacker com sede de vingança Vernon Elliot (Ato Essandoh), que enriquecem o elenco e proporcionam a série histórias secundárias muito interessantes e possibilitam um vislumbre do que pode vir a ser uma segunda temporada.
E apesar de todos os efeitos visuais que tornam Altered Carbon um espetáculo a parte, a crítica social aqui também divide o protagonismo. Fala-se e questiona-se o real sentido da humanidade. Com o advento da digitalização da vida, ao estilo Black Mirror, as diferença sociais tornaram-se ainda mais contrastantes e um abismo de desigualdade separa os ricos, que podem bancar as melhores “capas” e alimentar luxos e fetiches desprezíveis, da maioria pobre, que apesar de usufruírem da tecnologia, ficam a mercê da estrutura pública – e de seu estoque de capas – para continuar vivendo. Na nova ordem mundial, os valores humanos parecem ter sido deixado para trás e soterrados pelo único objetivo de viver para sempre. A morte não é mais aceita, e algumas pessoas continuam trazendo entes queridos “de volta à vida” em datas comemorativas, tudo em nome do amor.
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A história também é construída através de flashbacks, que explicam o passado de Kovacs e contextualizam o espectador da história maior que há por trás da série. Nesses flashbacks, Kovcs é interpretado por Will Yun Lee, que exibe a primeira capa do personagem. A substituição de Yun Lee por Kinnaman pode até ter gerado um debate sobre “whitewashing” – a modificação de personagens de etnia estrangeira por atores norte-americanos brancos –, mas na trama o artifício serve como reforço e crítica à valorização de padrões e esterótipos através da escolha de capas com corpos torneados, pele branca, cabelos loiros… Percorrendo um caminho quase sem erros, talvez seja no excesso de explicações, ora técnico demais, ora prolixo demais, que Altered Carbon encontra seu principal ponto negativo, algo que pode ser relevado tendo em vista a quantidade reduzida de episódios.
Por fim, a nova produção da Netflix, com dimensões de blockbuster, apresenta um incrível e promissor material, através de uma história repleta de reviravoltas, onde é difícil apontar quem é o vilão e quem é vítima. A tecnologia de trocar de capas dentro da história, pode oferecer a série o artifício de contar com um elenco diferente a cada temporada ou de tempos em tempos, bem como vem sendo feito em The Crown.
Se isso está nos planos dos produtores ou não, nós temos que aguardar para ver.
Altered Carbon estreia mundialmente no catálogo da Netflix no dia 2 de fevereiro.
https://www.youtube.com/watch?v=D7wDY0lJWwA