Crítica: Better Call Saul domina linguagem televisiva na 6ª temporada
Crítica da primeira parte da última temporada de derivado de Breaking Bad, Better Call Saul, transmitido pela Netflix.
Na era do streaming, séries para assistir não estão nada em falta. Contudo, numa produção excessiva, é raro encontrarmos um roteiro tão bem trabalhado quanto em Better Call Saul. Quando anunciado, o derivado de Breaking Bad, sucesso mundial, deixou os fãs se perguntando como a vida do advogado criminoso Saul Goodman poderia bater de frente com a saga de Walter White. Anos depois, temos aqui a resposta: do seu jeito!
Com a preocupação usual em estudar seus personagens e a experiência adquirida nos anos de Breaking, os produtores da série chegam aqui no seu auge como criadores de conteúdo audiovisual. Em BCS, tudo fala – seja a imagem, o texto, as expressões de um personagem ou um simples detalhe “esquecido” no fundo da cena. Tudo isso poderia somar num emaranhado de ideias apenas jogadas para o público.
Porém, com o filtro certo, se tornou uma jornada imprescindível para aquele fã de boas histórias e que não abre mão de uma série para maratonar. Assim como sua antecessora, Better Call Saul jamais poderia ser feita em outro lugar senão a TV (ou o streaming).
Construindo Saul
Por muitos anos, principalmente nas últimas três temporadas, a série tem construído seu nome. Com vilões próprios e personagens interessantes exclusivos do núcleo de Jimmy McGill, Better se firmou como uma produção individual e provou que consegue correr com as próprias pernas.
No entanto, com o final próximo, era hora de fechar todas as pontas soltas e trabalhar na conexão maior com o universo de Breaking Bad. Nisso, os autores Peter Gould e Vince Gilligan brilham como nunca. Sem pressa, construíram aos poucos os finais de vários personagens que não aparecem no futuro desse universo. Assim, o maior desafio vai sendo vencido: surpreender um público que “já sabe” o final daquela história.
Esse tem sido o tema central da sexta temporada. O maior destaque é óbvio: o nascimento definitivo de Saul Goodman. Saul não é só um nome e não nasce no momento em que o advogado adota essa alcunha, em algum ponto da quinta temporada. Nesse universo de personagens complexos e cheios de camada, Saul Goodman é o ponto sem retorno para Jimmy, a partir do qual ele não teria outra escolha a não ser trabalhar para a criminalidade e deixar para trás suas últimas boias salva-vidas. Estamos perigosamente próximos desse momento.
Da TV para a TV
Better Call Saul é uma história que só poderia ser contada no formato seriado – e isso é muito bom! Não só abusa do estilo consagrado pelas séries, mas usa ao limite a espera do público por um novo episódio. Ao lançar um novo capítulo a cada semana, a série não deixa outra opção ao público, a não ser repensar e amadurecer o que acabou de ver.
Assim, as pistas visuais e verbais que são jogadas aqui e ali se juntam e formam um entendimento maior do que se vê me tela. Nisso, os sentimento de interesse e expectativa se misturam e único remédio que os curam é um novo episódio. Com a cultura da maratona, isso é muito raro hoje em dia.
É uma aposta perigosa. Isso porque certamente existem tramas que não resistiriam a um olhar mais de perto por parte da audiência. Não aqui. É visível o quanto cada elemento é discutido antes de ser posto em tela. E todos que fazem parte dessa produção agregam sua visão sem se afastar do combinado coletivamente.
Assim, num bom exemplo desse tipo de colaboração, dois atores do elenco principal dirigiram episódios nessa temporada. Coincidentemente, cada qual dirigiu um episódio de virada para o personagem do outro. Mesmo em estilos diferentes, avançaram a trama e trouxeram uma visão mais íntima do projeto.
O passado é muito delicado em Better Call Saul
Criar uma trama que caminha para frente é o ideal. Fazer isso sabendo que existe todo um futuro que necessita de coesão é mais complicado. Além de criar tramas interessantes, existe aqui a necessidade de fazer isso conectando com um futuro próximo que quase toda sua audiência já sabe o que vai acontecer.
Ao mesmo que tempo isso traz uma certa tranquilidade por ter um norte definido, amarra as mãos dos criadores que não conseguem andar em linha reta, narrativamente falando. Em vez disso, precisam ir ao redor do que já se sabe e ir pegando o que servir.
Para nossa sorte, muita coisa serve! Poucas séries derivadas realmente pedem do seu público algum conhecimento prévio. Ora, não é necessário assistir Grey‘s Anatomy para se entender e gostar de Private Practice. Contudo, para se ter uma experiência completa de verdade com Better Call Saul, é quase indispensável que se assista Breaking Bad.
Por isso, é difícil falar de uma sem falar da outra. No último ano de Better, agora que nos resta menos de dez episódios pela frente, vemos claramente a cola que une os dois seriados e podemos afirmar que, idealmente, não deveríamos nem nos referir as duas obras como coisas separadas. Na real, são um grande e belo universo só!
Andando para o fim de Better Call Saul
Com passos lentos e largos, a série caminha para o fim na sexta temporada. Na primeira parte de episódios, lembramos dos prazeres de acompanhar uma trama semana a semana. Ao juntar teorias e capturar pequenas pistas ao longo do caminho, os fãs puderam perceber o esforçado trabalho dos criadores.
Mesmo em episódios mais lentos, é inegável que a trama sempre deu um passo a frente e nunca enganou seu público com falsas expectativas. Nos momentos em que deliberadamente prometeu algo, prontamente cumpriu.
Enfim, além de contar uma história, o texto de Better Call Saul em seus últimos episódios tenta montar do seu jeito o legado que deixará na mente do público. E, sinceramente, que legado fabuloso!
Nota: 5/5