Boardwalk Empire: a arte de encher os olhos e ter qualidade, mesmo sendo discreta
Em mais um Memórias em Série, voltamos ao passado recente para lembrar de uma produção que marcou seu tempo: Boardwalk Empire.
Boardwalk Empire não é uma série que ainda vive na mente de muitas pessoas
Na verdade, acredito até que a geração atual, que começou a assistir televisão a partir da popularização dos serviços de streaming, sequer sabe das aventuras de Martin Scorsese na televisão. Contudo, escolhi falar sobre esse drama porque ele me marcou de uma forma extraordinária. Mesmo sendo da turma que começou a assistir televisão por causa de Desperate Housewives, foi este drama que me introduziu ao mundo da TV a Cabo de extrema qualidade.
Inicialmente confesso ao leitor que não entendia muita coisa da proposta. Lei Seca nos Estados Unidos? Atlantic City como cidade sem lei? Mesmo assim resolvi dar uma chance por causa do nome de Martin Scorsese e de Steve Buscemi como protagonista. Após assistir (o longo) episódio piloto, sabia que estava diante de um drama de extrema qualidade, mas mesmo assim continuava sem entender muita coisa. Então tomei vergonha na cara e estudei o tema.
Uma aula de história para 2019
É um tanto vergonhoso ter que admitir que não estudava história à época que comecei a assistir a série. Mesmo assim a série impressionava pela sua qualidade técnica. Quem acompanha o trabalho de Scorsese sabe que ele sempre carrega uma equipe espetacular por onde trabalha. A equipe criativa de Boardwalk Empire conseguia, a partir de um orçamento farto da HBO, compor uma Atlantic City dominada por uma elite criminosa.
Embora tenha encontrado estímulo nos diálogos e nas referências históricas para buscar estudo, acredito que é possível entender o contexto do período pós-crise de 1929 com muita facilidade. É impressionante o quanto se entende de poder a partir da compreensão de como uma organização criminosa funciona. Além disso, ainda temos como pano de fundo uma série de acontecimentos históricos que servem para mostrar o quão rico é o período: Wall Street se torna ainda mais gananciosa; mulheres conquistam o direito ao voto e o rádio é o principal meio de comunicação.
Sabendo como se faz
Pode parecer chato falando dessa forma. Até porque tais assuntos podem ser facilmente tratados num documentário da BBC. Mas é um deleite perceber o quão bom é o roteiro em tratar de toda essa mudança social ao mesmo tempo que entretém com muito sexo; violência e reviravoltas que ajudam qualquer história a prender seu telespectador. Além disso, é possível acompanhar a evolução dos personagens com o passar do tempo. Eles não são planos, muito pelo contrário.
Diversas vezes você se vê tentando entender as angústias e relacionando-se com a fragilidade de certo papel. Pode parecer simples num momento que a indústria busca cada vez mais falar com o João e a Maria. Contudo, lembro que estamos no início da década quando se elogiava a ousadia em celebrar os anti-heróis. Estratégia narrativa que já viveu seu auge, há de se ressaltar. Boardwalk Empire sabia como fazer a partir de um time de roteiristas que impressionava pela qualidade e não só pela pompa.
Podemos discutir quem vence numa eventual disputa entre Boardwalk Empire e Peaky Blinders. Contudo, a segunda não existiria, e sequer faria o sucesso que faz hoje, sem que a primeira fosse lançada. Por isso escolhi fazer esse Memórias em Série. Queria lembrar não só de uma grande série, mas também destacar que é possível falar de história despertando interesse do telespectador. Basta ter sabedoria e talento.