Crítica: Better Call Saul encerra sua trajetória no topo

Better Call Saul chega aos episódios finais na mesma qualidade que sempre entregou. Desfecho anticlimático casa com personalidade da série.

Better Call Saul chegou ao fim (na Netflix) do mesmo jeito que existiu por seis temporadas: completamente diferente de Breaking Bad. Tendo surgido como um spin-off da série de Heisenberg, BCS logo definiu sua personalidade e caminhou com as próprias pernas. Enquanto a original apostava em capítulos épicos, reviravoltas e catarses, o derivado sempre preferiu a calma e o desenvolvimento lento de sua narrativa e personagens.

No final, Better Call Saul fez justiça a seu histórico e a seus fãs, entregando um desfecho coerente e imutável.

Saul, portanto, afinou o que já era típico em Breaking Bad: a atenção aos detalhes. Ambas as séries, afinal, apesar da violência e do cenário, sempre foram sensíveis e ricas em minúcias. Seus episódios finais, então, criaram rimas elegantes e pertinentes com temporadas passadas.

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A estrutura do último volume, aliás, só comprova a inteligência e preparo do time de roteiristas. Tudo foi tão pensado e escrito com esmero que nada parece fora do lugar e tudo faz sentido em um contexto mais amplo.

Episódios finais mostram ascensão e queda de Saul Goodman

Desta forma, é impossível não constatar os planos dos roteiristas. A ideia é simples, mas eficiente: encerrar os principais dramas e núcleos antes dos quatro capítulos finais. Com isso, a impressão que fica é que a série terminou no episódio 9, “Fun and Games”. Depois disso, tudo soa como epílogo. E este é um dos grandes trunfos da temporada final de Better Call Saul. Ao encaminhar os destinos de Gus, Mike, Kim e demais personagens, o roteiro pode focar naquilo que é inédito e desconhecido.

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Em outras palavras, sabemos para onde vão as coisas depois dali. Breaking Bad nos mostrou isso de forma brilhante. Assim, podemos olhar para cantos inexplorados. Não é surpresa, enfim, que a maior parte dos últimos quatro capítulos sejam em preto e branco e mostrem o futuro de Saul e do universo da franquia. Nesta perspectiva, o excelente Nippy é um dos melhores episódios da série e mostra, sem amarras, como e onde Saul Goodman foi parar.

O episódio, aliás, é um belo vislumbre de como seria a vida de Jimmy/Saul caso as coisas não terminassem como terminaram. Goodman, no fim, continuaria sua sina de trambiques e enganações. Afinal, era isso que o mantinha vivo, assim como a produção de meta-anfetamina mantinha Walter White.

É por isso que o ato final de Saul Goodman é compreensível, mas surpreendente. Sabemos o quanto o sujeito prima por sua liberdade e seus pequenos luxos. Reconhecer suas culpas e erros, portanto, é um raio que certamente não cairia duas vezes no mesmo lugar.

Better Call Saul prova que Walter é um monstro

É curioso, então, que as cenas envolvendo Walter White e Jesse Pinkman sejam, de certa forma, anticlimáticas. Estamos acostumados a ver estes personagens e sua série como bombas-relógio. Ao reencontrá-los calmos e apenas conversando, temos nossas expectativas quebradas. Ainda assim, as participações de Walter e Jesse são importantíssimas, e a última sequência, que traz Goodman e White conversando no exílio, é espetacular.

Isso porque o diálogo traz uma camada chocante à personalidade de Walter White/Heisenberg. Sabemos que o ex-professor de Química é um bandido, sabemos de todos os seus pecados. Ainda assim, por muito tempo, Walter era um anti-herói. Em Better Call Saul, entretanto, Walter White é um monstro declarado. Nos poucos minutos que apareceu, White jamais deixou de ser arrogante e, quando conta uma história a Saul, sua psicopatia fica ainda mais evidente.

Walter White é um vilão e não um anti-herói

Ao perguntar a Walter o que mudaria caso tivesse uma máquina do tempo, Saul é surpreendido com uma repreensão. Segundo o químico, máquinas e viagens no tempo são uma bobagem. Ainda assim, Goodman quer saber o maior arrependimento do criminoso. White então revela que seu maior arrependimento foi ter vendido suas ações da Grey Matter e não ter usufruído do sucesso da empresa nos anos seguintes. Walter já havia falado sobre isso, deixando seu arrependimento claro.

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O problema aqui é que, da primeira vez que contou isso, Walter ainda não havia passado por alguns de seus piores momentos e decisões. Agora, White acabara de ver Hank ser morto, perdeu sua família, quase todo o dinheiro e, claro, sua liberdade. Ainda assim, apesar de todos os problemas e tristezas, seu maior arrependimento ainda é um mau negócio em uma empresa. Walter “Heisenberg” White é um homem orgulhoso e só isso lhe importa.

Personagens seguem como força principal da série

Saul, por outro lado, cresce como um homem mais sensível e arrependido. Sim, ele ainda ama trapacear e desafiar oponentes, mas muitas vezes o vemos lutar contra esses demônios. Sua bússola moral, em muitas das ocasiões, é Kim. A relação entre os dois, aliás, é a força motriz de Better Call Saul. Kim é uma pessoa ótima que tem lapsos de maldade quando está com Saul. Para o advogado, o contrário acontece: ele tem moral desviada, mas torna-se melhor quando está com a parceira.

Os coadjuvantes, inclusive, merecem aplausos por carregarem a série ao lado de Saul. Gus e Mike, por exemplo, tornam-se ainda mais complexos e interessantes agora. Não deixa de ser tocante, portanto, que Mike responda à pergunta de Saul de forma muito mais humana e emotiva. Com uma máquina do tempo, Mike voltaria ao passado para impedir que sua versão mais jovem aceitasse o primeiro suborno.

Better Call Saul, enfim, termina sua caminhada em tom anticlimático, mas totalmente condizente ao que plantou nas últimas temporadas. Além disso, faz o que grandes séries fazem: deixa um tantinho para a imaginação. Para completar, ainda comprova que é um sucesso independente, único, mas tão bom quanto o projeto original. No futuro, portanto, quando tivermos saudade, basta voltar a Albuquerque. Basta chamar o Saul.

Nota: 5/5

Sobre o autor

Matheus Pereira

Coordenação editorial

Matheus Pereira é Jornalista e mora em Pelotas, no Rio Grande do Sul. Depois de quase seguir carreira na Arquitetura, enveredou para o campo da Comunicação, pelo qual sempre nutriu grande paixão. Escritor assíduo na época dos blogs, Matheus desenvolveu seus textos e conhecimentos em Cinema e TV numa experiência que já soma quase 15 anos. Destes, quase dez são dedicados ao Mix de Séries. No Mix, onde é redator desde 2014, já escreveu inúmeras resenhas, notícias, criou e desenvolveu colunas e aperfeiçoou seus conhecimentos televisivos. Sempre versando pelo senso crítico e pela riqueza da informação, já cobriu eventos, acompanha premiações, as notícias mais quentes e joga luz em nomes e produções que muitas vezes estão fora dos grandes holofotes. Além disso, trabalha há mais de dez anos no campo da comunicação e marketing educacional, sendo assessor de imprensa e publicidade em grandes escolas e instituições de ensino. Assim, se divide entre dois pilares que representam a sua carreira: de um lado, a educação; de outro, as séries de TV e o Cinema.