Crítica: Dahmer Um Canibal Americano é boa, mas perigosa
Dahmer Um Canibal Americano, série da Netflix, conta a história real de um serial killer norte-americano. Ela é realmente boa?
Sempre que a história de um serial killer ganha as telas – ou as páginas de uma livro – há uma discussão pertinente acerca da validade destas narrativas. É necessário que contemos – às vezes em mais de uma ocasião – a trama de um assassino? O que não sabemos sobre Jack, o Estripador, ou Ted Bundy que ainda não foi explorado pelos inúmeros produtos lançados sobre eles?
Jeffrey Dahmer, um dos mais cruéis assassinos em série, surge novamente na mídia através de Dahmer Um Canibal Americano, da Netflix.
Criada por Ryan Murphy, a minissérie faz um longo retrato sobre Dahmer e suas vítimas. Explorando a infância, os crimes e a condenação do sujeito, Um Canibal Americano mergulha em vários anos da vida do rapaz, pintando um quadro fiel, mas que quase escapa do controle em alguns momentos. Desta forma, a minissérie não contribui para a polêmica envolvendo este tipo de projeto, mas a catalisa.
Dahmer Um Canibal Americano percorre linha tênue e duvidosa
Dahmer Um Canibal Americano ganha e perde pontos a todo instante, merecendo elogios por algumas decisões e reprimendas por outras escolhas terríveis. É elogiável, por exemplo, que a série se concentre em algumas de suas vítimas, em especial no sexto episódio, o excelente “Silenced“. Em contrapartida, é lamentável a evidente sexualização de Evan Peters e, consequentemente, Jeffrey Dahmer.
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Assim, é válido, e de certa forma corajoso, que a série tente humanizar Dahmer. E é preciso compreender uma grande diferença: humanizar não é inocentar ou justificar atos. Neste sentido, Um Canibal Americano faz um excelente trabalho, pois entende que é preciso trazer o serial killer à realidade, embora o considere um monstro.
Com isso, o roteiro e Peters se saem muitíssimo bem ao trazer pontos tristes da história de Dahmer. Em contrapartida, é evidente que nada disso justifica os crimes do sujeito, afinal, ele ainda teve um pai relativamente presente e preocupado, além de nunca ter passado grandes ou exclusivas necessidades.
Elenco faz ótimo trabalho em minissérie recheada de polêmicas
Nesta perspectiva, Dahmer Um Canibal Americano levanta o mesmo questionamento de Mindhunter e outras obras sobre serial killers. Em suma, assassinos nascem maus ou tornam-se maus? A minissérie da Netflix acerta ao propor os dois fatores e entende que nada é tão definitivo.
Dahmer passou por alguns problemas, claro, mas é evidente que algo sempre esteve errado com o homem, desde a infância. O projeto de Murphy, assim como o de David Fincher, prova que não há nada mais perigoso do que uma natureza maligna e um meio que intensifica e aperfeiçoa tal desvio.
Com isso, é preciso elogiar Evan Peters, que vem se mostrando um ator cada vez mais talentoso. Peters dosa com inteligência as fragilidades do sujeito, bem como suas monstruosidades.
Assim, o vemos acuado e ferido em alguns momentos, mas também o acompanhamos perdendo a humanidade gradativamente sempre que está prestes a matar. E aqui o ator faz um excelente trabalho ao aparecer legitimamente assustador. Igualmente competente é Richard Jenkins, que encara o papel do pai de Dahmer num misto de confusão, dor, tragédia e perigosa cumplicidade.
A dor gera entretenimento? Sucesso de Dahmer Um Canibal Americano aponta que sim
Caprichando ainda na recriação da época e dos acontecimentos, algo que já havíamos acompanhado em American Crime Story, Dahmer Um Canibal Americano ainda faz leves, mas pertinentes comentários sobre a cultura e a sociedade do crime enquanto espetáculo. Neste sentido, enquanto se aproveita da mórbida curiosidade do público por crimes reais, a série ainda critica o consumo e espetacularização destas tragédias.
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Funcionando como drama e suspense, Dahmer Um Canibal Americano peca apenas por andar em uma linha muito tênue e perigosa. Ainda que denuncie, produz entretenimento com a dor de inocentes. Ainda que investigue, dá espaço a um homem monstruoso que não merecia mais do que nosso esquecimento.
Por outro lado, como entender as pessoas e seus pecados sem olhar para as dores e tragédias do passado? Dahmer é denúncia, registro, mas também é entretenimento. No final, nós somos o problema.
Nota: 4.0/5