Crítica: Insatiable, série da Netflix, fez muito barulho pelos motivos errados

Crítica da primeira temporada da série Insatiable, da Netflix.

Imagem: Netflix/Divulgação
Imagem: Netflix/Divulgação

Você tem fome de quê?

A mais recente estreia original Netflix, Insatiable antes mesmo de chegar já gerou polêmica por ser considerada gordofóbica. Por conta disso, um abaixo-assinado online foi feito pedindo o cancelamento da série antes mesmo de estrear, tudo com base apenas pelo trailer.

Apesar de tudo isso, resolvi dar uma chance a série. Só pelo primeiro episódio dá para perceber que a série vai além de sua sinopse. E não, a série não incita ninguém a ser preconceituoso ou praticar bullying. Pelo contrário, denuncia.

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Insatiable conta a história de Patty “Porpeta” e Bob Armstrong. Patty é uma adolescente gordinha que tem como melhor amiga a comida. Ela é discriminada e vítima de bullying, sobretudo no ambiente escolar. Após um incidente marcar sua vida, ela se vê numa dieta forçada, alimentando-se apenas de líquidos, o que a faz perder muito peso em três meses. Assim, decide se vingar de todos que a ridicularizavam por estar fora dos padrões.

Bob é um advogado fracassado, que também atua como preparador de Miss para concursos de beleza. Uma falsa denúncia de assédio sexual destrói sua vida e carreira. Os caminhos deles se cruzam quando um mendigo processa Patty por agressão e Bob pega seu caso. Ela encontra nele a chance que queria de se vingar de todos e esfregar na cara da sociedade seu novo corpo, bonito e magro. Ele vê a chance de ganhar um concurso de beleza além de melhorar sua imagem pública.

Sátira pode incomodar por debochar sobre assuntos polêmicos.

No primeiro episódio, acontece tanta coisa errada que talvez isso incomode muitas pessoas. Mas por algum motivo me peguei vendo um episódio atrás do outro. Não se engane, a série não te pretende desde o início, mas minha curiosidade era saber se tudo poderia ficar ainda mais ridículo. De fato, fica.

Ao finalizar a temporada, percebi que a intenção era justamente incomodar, tratando de temas tão polêmicos e atuais em tom de deboche. A série joga na cara do espectador diversos problemas sociais e preconceitos, mas infelizmente não são resolvidos ou bem desenvolvidos. Isso acaba resultando em uma estrutura pobre de roteiro.

A questão do padrão de beleza serve apenas de premissa inicial, que aos poucos vai dando espaço para outros assuntos. A cabeça de Patty é uma confusão, e isso está diretamente ligado a todo discurso que ela sempre ouviu sobre sua aparência. A personagem é uma pessoa vazia, com apenas uma amiga, tendo problemas de relacionamento com a mãe, sem a presença de um pai, gerando uma agressividade que serve como mecanismo de defesa.

Isso faz ela compensar tudo com comida. Ela come por compulsão. A última cena do episódio 1.10 é triste e ilustra justamente a compulsão e a solidão da personagem. Sua jornada, na verdade, é de auto aceitação. Magreza não é sinônimo de felicidade. Beleza exterior não significa que o interior também seja bonito.

Imagem: Netflix/Divulgação

Situações bizarras, humor negro e muita vergonha alheia.

A série abusa do ridículo e faz o público sentir vergonha de algumas situações que os personagens vivem. O plano de vingança de Patty não sai como havia preparado. Tudo que ela idealiza acaba tomando um rumo inesperado, provocando reviravoltas absurdas. Em um dos episódios, ela está prestes a sequestrar uma de suas concorrentes no concurso de beleza, mas ela acaba sendo sequestrada. O humor negro e ácido para lidar com todas as questões que são apresentadas não deixa de ser divertido, mas em alguns momentos se torna uma comédia besteirol e tudo que você pode sentir é vergonha por aquelas pessoas.

Os conflitos de Bob com sua esposa e com a descoberta da sua sexualidade (embora desde a primeira cena todo mundo já saiba sua orientação sexual) promove cenas divertidas. Bob é naturalmente afetado, cheio de trejeitos e leva uma vida de homem heterossexual, casado e pai de família.

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A série abusa do politicamente incorreto para contar suas histórias. Os personagens principais são desenvolvidos e é possível ver a evolução deles. O recurso da narração foi um acerto. Ouvir os pensamentos loucos de Patty e Bob ajuda o público a conhecer o verdadeiro eu de cada um deles. Com isso, dá até para ter empatia por eles.

Como disse, a série não incita o preconceito, pelo contrário, mostra como é difícil viver de uma forma que você sempre será julgado. É muito mais sobre se descobrir e se aceitar do que sobre preconceito.

Insatiable não é a melhor série e também não é a pior. Existem produções muito mais enfadonhas por aí. Com ritmo próprio, algumas vezes parece perdida, mostrando uma sucessão de eventos absurdos e ridículos. Tudo é caricato, da atuação ao figurino. Quem condena a série sem assistir leva a sério demais uma sátira que ironiza e debocha de tudo. Mas o catálogo da Netflix é grande e certamente existem conteúdos melhores para assistir.

Sobre o autor
Yuri Moraes

Yuri Moraes

Redação

Yuri Moraes é formado em Direito e Marketing Digital e atualmente cursa Produção Cultural. Morador do Rio de Janeiro, sempre foi um grande apaixonado por conteúdo audiovisual e o universo da cultura pop. Um cinéfilo declarado, um seriador nato. Formado em teatro, descobriu sua paixão pela escrita e desde então vem estudando e se capacitando como escritor. Redator do Mix de Séries desde 2016, se desenvolveu como profissional da área e já colaborou com diversos textos em formato de críticas, reviews semanais e notícias. Através de seus textos busca sempre apresentar uma análise pessoal, técnica e sincera das produções que assiste, sem deixar o bom humor de lado. Sempre atualizado nos assuntos do momento, faz cobertura de diversos eventos representando o site. Outra paixão que caminha lado a lado é produção de eventos. Colecionando em seu currículo experiências em grandes eventos, possui verdadeira paixão em fazer parte do processo de construção e execução de eventos culturais. Com isso, equilibra seu trabalho de departamento pessoal com o ofício de escritor e produtor cultural.