Crítica: Nova versão de The Twilight Zone acerta em cheio nos nossos medos
Confira o que achamos da nova versão de Twilight Zone.
Mesmo com alguns contratempos, Twilight Zone mexe nos medos modernos com uma receita clássica
2019 é o ano do reboot de Twilight Zone. Independente de onde você está e do que você acredita, podemos dizer que esse é um ano estranho. Em tão pouco tempo, muito já foi feito e com grande impacto na TV e no streaming. Vimos Grey’s Anatomy marcar época – de novo – com um episódio espetacular.
Também fomos agraciados com um retorno de The AO e tantas outras produções. Em poucos dias, Game of Thrones dirá adeus à TV. Supernatural – finalmente – chegará ao fim. Sandy e Júnior estão de volta… e ainda é só abril. Decididamente, esse será um ano que pretende nos levar além da imaginação.
Um novo revival – de novo
Deixado de lado o trocadilho cretino que acabei de fazer, é desse retorno inesperado que vamos falar. Para isso, precisamos deixar algo bem claro: essa não é uma tarefa fácil. Mesmo que você não tenha consumido tudo o que faz parte dessa franquia, ou que só conheça algum dos revivais, estamos falando de um marco estético do sci-fy na TV.
Quando a série começou, como uma aposta ousada que foi “The Time Element”, combinando traquinagens do próprio Hitchcock – que também produziu sua ficção maravilhosa na TV com o brilhante Alfred Hitchcock Presents – com a sinceridade e o humor ácido de Rob Serling, a série se tornou um fenômeno de mérito inquestionável como modelo para se abordar a ficção na TV.
Contudo, é inegável que esse fenômeno deve muito a Serling. A essência dele fez a série tão orgânica, combinando críticas ao tempo da obra e a liberdade de discutir temas “proibidos” para o cinema com uma transição do mero “escapismo” que a ficção científica era legada na época.
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Então o que diferencia essa produção de Jordan Peele das outras várias tentativas do reboot/revival de The Twilight Zone? É simples: mesmo que Peele não tenha dado seu máximo – ainda – nos dois episódios que vimos, mas a presença dele, a forma como ele casualmente nos guia por um terror com trivialidade dá o tom de Serling e faz as coisas simplesmente “funcionarem” – até certo ponto.
Um bom comediante e um pesadelo nas alturas
É sim cedo para tirar conclusões. Os dois episódios, “The Comedian” e “Nightmare at 30.000 feet” brincam com referências a série clássica e fazem um bom trabalho, salvo alguns detalhes. Mas é cedo. Peele tem talento, e recrutou um time capaz de fazer mais do que só usar das referências. Os dois episódios nos mostram isso também. Mas aqui, é mais do que só a capacidade de atualizar os contextos que está em jogo. A série precisa ter fôlego próprio ou vai ser soterrada pelo peso da franquia.
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“The Comedian”, em um episódio agradavelmente longo, nos dá 55 minutos de uma mistura de genialidade, referências sagazes e um final um tanto previsível. Vemos Kumail Nanjiani e Tracy Morgan brilharem com suas atuações e nos dar a perfeita introdução para essa nova versão. Para os recém-chegados à série e a franquia, a tensão é construída na medida certa, do comediante medíocre ao “pacto” e somos pegos de surpresa com a realidade começar a se “desfazer” ao redor dele. O gosto de estranheza bem característico da série nos envolve.
Para os fãs da franquia, esse efeito é ainda maior. Primeiro, por ser um comediante, o que me lembrou diretamente de “Take My Life… please!”, um episódio da série clássica em que um comediante desonesto se vê, no purgatório, forçado a fazer um show para decidir o destino de sua alma. Como se isso não bastasse, vemos duas outras grandes referências em cena que gritam “série clássica”: Solto num canto, temos uma versão muito parecida com Willie, o famigerado “boneco” do episódio “The Dummy”. Para completar, a cerveja que Diarra Kilpatrick bebe, a Kanamit, é o mesmo nome da raça alienígena do episódio “To Serve Man” – leve o título de maneira gastronômica caso precise de ajuda nessa daqui.
Inspirado em fatos… do original!
Já “Nightmare at 30.000 feet” tenta se construir a partir de um clássico da série original, “Nightmare at 20.000 feet”. Numa jogada ousada, Peele acabou não considerando que tentar replicar o efeito de William Shatner vendo um Gremlin na asa do avião não é uma tarefa fácil – e que não existe ninguém tão caricato quanto Shatner nesse ou em qualquer outro universo para produzir esse efeito.
A narrativa tenta. Atualiza o perigo, coloca Adam Scott e os podcasts no contexto de uma direção puramente claustrofóbica – o que até é positivo – de Greg Yaitanes. O episódio funciona. Não tem a maestria do seu original (que foi dirigido por Richard Donner), mas é típico de The Twilight Zone se revisitar – esse episódio, inclusive, já foi refeito anteriormente.
A forma é mais experimental aqui. Talvez justamente por fugir um pouco da zona de conforto mostrada no primeiro episódio isso gera certo desconforto inicialmente. É paranoia, claustrofobia e insanidade que nos carregam pelo tempo do episódio.
O Veredito
The Twilight Zone voltou? É cedo para dizer. Decididamente a série pode e vai brincar com a nossa imaginação. O potencial está aqui. Mas não é fácil trabalhar com uma franquia tão densa. Não sei se Jordan Peele vai lograr sucesso onde outras produções falharam, mas ele nos deu amostras de seu brilhantismo em vários pontos de ambos os episódios, com jogadas ousadas e um certo je ne sais quoi.
Em seus dois episódios, a série começa com fôlego, e mostra que, em alguns pontos, sabe aproveitar o contexto da série clássica sobre o qual está sendo construída. A série consegue trazer o gosto de bizarro e assustador para a boca do espectador com facilidade, e brinca de maneira deliciosamente indigesta conosco. Com Peele à frente, resta aguardar para descobrir até onde essa assustadora aventura pode ir. Afinal, estamos entrando num mundo cheio de sombra, substância e ideias. E não sei vocês, mas quero saber em que dimensão vamos parar desta vez nessa jornada para além da imaginação.
Além disso, completo. Todavia, palavras. Entretanto, palavras. Além disso, necessárias. Todavia, necessárias. Além disso, completo. Todavia, palavras. Porém, necessárias.