Crítica: Olhos que Condenam, nova minissérie da Netflix, é brutal, arrebatadora e impecável

Nova minissérie da Netflix, Olhos que Condenam aborda história chocante e absurda através de visual arrojado, texto afiado e um dos melhores elencos do ano.

Olhos que Condenam escancara um dos maiores absurdos da história norte-americana recente

A história dos “Cinco do Central Park” clamava para ser contada. Apesar de todo o potencial dramático do acontecimento, a saga dos cinco jovens jamais fora contada com propriedade pela indústria norte-americana. A demora no reconhecimento e na dramatização dos eventos vem muito da vergonha que a sociedade ainda sente com relação aos desdobramentos do caso. O fato é que o acontecimento é um dos maiores vexames da história moderna estadunidense. Como a nova minissérie da NetflixOlhos que Condenam, nos revela, o processo escancara o preconceito, o desserviço, o despreparo e a desumanidade de diversas camadas sociais.

Escrita, produzida e dirigida por Ava DuVernay (responsável pelo estupendo Selma), a minissérie, dividida em quatro capítulos, acompanha os cinco jovens acusados de estupro e agressão de uma mulher no Central Park, em Nova York. O caso, que chocou a população em 1989, tornou-se um símbolo da decadência (moral, estrutural, etc.) local. E, além disso, acabou servindo como válvula de escape de preconceito e falsa justiça. Com o violento crime nas mãos, a polícia resolveu mostrar serviço, mesmo que isso significasse romper qualquer limite jurídico e humano.

É aí que entram os cinco jovens negros e/ou latinos acusados injustamente pelo crime. Passeando pelo Cental Park na mesma noite, os meninos são presos depois de uma violenta batida policial. Levados à delegacia, eles são agredidos e coagidos. Os meninos (pois é isso que eles eram: crianças) sofreram e foram presos por um fator: eram negros. Não foi por estarem no lugar ou na hora errada, mas por estarem próximos de um crime.

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Triste e brutal, minissérie é drama poderoso que não banaliza a violência

As primeiras horas da fatídica noite e da eventual prisão preenchem o primeiro episódios. Triste e brutal, a primeira parte de Olhos que Condenam já revela a sua abordagem: há apenas um lado, o da verdade. Não é objetivo do projeto sugerir que houve um equívoco sem culpa por parte da polícia, ou que há dois lados de uma história complicada. A polícia e a promotoria são vilões, e a minissérie não ameniza os acontecimentos. Aqui, o grande acerto é que Ava DuVernay é uma grande diretora. Nas mãos de alguém menos preparado, o caso poderia ser uma fonte de violência gratuita, nos limites do torture porn. 

Sob o comando de DuVernay, entretanto, o que se vê é um drama poderoso, violento, mas sem glamourização. As qualidades da diretora/roteirista enquanto artista e ser humano se notam quando percebemos que a dramatização do caso não vem com o objetivo de divertir. Olhos que Condenam não é entretenimento; é denúncia, é atestado social, é obra de arte pura e crua.

Apuro estético e elenco impecável são grandes forças do projeto

Do ponto de vista técnico, Olhos que Condenam é impecável. DuVernay, cujo apuro estético é único e perceptível, aprofunda o estilo apresentado em Selma. Sua câmera não é apenas uma testemunha, mas um elemento narrativo. Assim, a diretora encontra brechas para ousar e criar momentos visuais sublimes, de grande impacto. Deste modo, cenas como a do menino tocando trompete no meio da rua ou a de outro imaginando como sua vida seria caso tivesse tomado uma pequena decisão diferente, emocionam e enchem os olhos.

Como se não bastasse, o talento de DuVernay não se limita ao visual e ao comando da câmera. Sua sensibilidade na direção de atores é o grande diferencial. Com isso, o que vemos em Olhos que Condenam é um dos melhores elencos já vistos nos últimos anos. Dos atores mirins aos adultos, cada ator e atriz brilha em cenas emocionais e difíceis. É com isso que se percebe a sensibilidade do projetos. Não há sensacionalismo no texto ou nas atuações. Dessa forma, ele conta apenas com a verdade e total entrega. O grande destaque do elenco, contudo, é Jharrel Jerome. Merecedor de todo e qualquer prêmio da temporada, Jerome rouba a cena e arrebata a audiência. Isso acontece principalmente no capítulo final. É nele que mergulhamos na difícil trajetória do personagem Korey Wise.

Imagem: Netflix/divulgação

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Portanto, com fotografia (de Bradford Young, um dos melhores da área), edição e trilha sonora impecáveis, Olhos que Condenam choca, arrebata e emociona. Sendo, desde já, uma das melhores produções de 2019 (do cinema ou da TV), a minissérie deve fazer bonito na próxima edição do Emmy, sendo uma poderosa concorrência a Chernobyl, da HBO.

Sincera, Olhos que Condenam não encontra diversão no sofrimento, mas impacto através da verdade.

https://www.youtube.com/watch?v=InMokMK3ji4

 

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Sobre o autor

Matheus Pereira

Coordenação editorial

Matheus Pereira é Jornalista e mora em Pelotas, no Rio Grande do Sul. Depois de quase seguir carreira na Arquitetura, enveredou para o campo da Comunicação, pelo qual sempre nutriu grande paixão. Escritor assíduo na época dos blogs, Matheus desenvolveu seus textos e conhecimentos em Cinema e TV numa experiência que já soma quase 15 anos. Destes, quase dez são dedicados ao Mix de Séries. No Mix, onde é redator desde 2014, já escreveu inúmeras resenhas, notícias, criou e desenvolveu colunas e aperfeiçoou seus conhecimentos televisivos. Sempre versando pelo senso crítico e pela riqueza da informação, já cobriu eventos, acompanha premiações, as notícias mais quentes e joga luz em nomes e produções que muitas vezes estão fora dos grandes holofotes. Além disso, trabalha há mais de dez anos no campo da comunicação e marketing educacional, sendo assessor de imprensa e publicidade em grandes escolas e instituições de ensino. Assim, se divide entre dois pilares que representam a sua carreira: de um lado, a educação; de outro, as séries de TV e o Cinema.