Crítica: See, série do Apple TV+ com Jason Momoa, é um deleite visual cheio de ação
Apesar de alguns problemas, See, grande aposta da Apple TV+, é uma aventura repleta de ação e suspense que se sai bem naquilo que se propõe a fazer.
See, com Jason Momoa, se sai bem naquilo que se propõe
Quando a Netflix decidiu produzir conteúdos originais a primeira aposta foi um drama político criado por um prestigiado roteirista, dirigida por David Fincher e estrelada por Kevin Spacey e Robin Wright. House of Cards colocou a plataforma no mapa dos estúdios produtores e, hoje, a empresa é uma das mais poderosas casas de ideias da indústria.
Nos últimos meses de 2019, a Apple lança sua própria plataforma de streaming, com quatro dramas originais. See é, indubitavelmente, a mais arriscada. Seja pelo custo (trata-se de uma das séries mais caras dos últimos anos) ou pela trama, See é a aposta da Apple TV+ para invadir o aquecido mercado dos streaming.
See está longe de ser uma House of Cards, mas está longe de ser o fiasco que a crítica estrangeira pintou. A aventura protagonizada por Jason Momoa não garante o respeito e a audiência desejada pela empresa, mas é um ótimo produto para um catálogo em desenvolvimentos iniciais. Criada por Steve Knight, de Peaky Blinders, See certamente encontrará o seu público fiel. E é isso que a mídia e o público precisam entender: as plataformas de streaming não estão produzindo para todos, mas para grupos. Basta espiar as estreia da Apple para perceber isso: há uma aventura, uma comédia romântica de época, um drama moderno e outro sobre corrida espacial.
Apesar de mitologia rica, série se sai melhor quando mantém os pés no chão
Neste sentido, o drama do Apple TV+ se sai muito bem fazendo aquilo que se propõe. Os fãs de Knight e dos Blinders reconhecerão o texto e a vibração visual. A trama é simples e se desenrola sem muitos tropeços. Sempre que foca na tribo central e na fuga em busca de salvação, See entretém. O ritmo cai quando a série decide aumentar a mitologia: ao visitar a Rainha e explorar os bastidores do novo “governo”, o roteiro torna-se enfadonho. Em outras ocasiões, a escassez de voos limitaria o produto; aqui, o ideal é se manter no chão e focar nos personagens principais e suas aventuras.
Pois a mitologia de See é interessante sem precisar de grandes explicações: na trama, que se passa depois do pós-apocalipse, os humanos sobreviventes já constituíram um mundo próprio, uma sociedade que funciona sob suas próprias regras. A grande mudança é que ninguém mais enxerga. Numa terra de cegos, os demais sentidos floresceram. Assim, quando vemos uma personagem “sentindo” as vibrações do ambiente ou escutando ruídos longínquos, a reação não é de estranhamento, mas de lógica. Depois de séculos na escuridão, é perfeitamente aceitável que o ser humano desenvolvesse habilidades distintas.
Trama se ancora em jogo de perseguição repleto de suspense e ação
Neste cenário, uma tribo vive pacificamente, isolada do restante do mundo. Em uma caverna úmida, enquanto todos protegem o local de uma possível invasão, uma mulher dá a luz à gêmeos. A jovem surgira meses antes, na floresta, já grávida e sem rumo. O líder do grupo, Baba Voss (Momoa), que não pode ter filhos, recebe a mulher e decide criar as crianças como suas. Os recém-nascidos, contudo, têm um dom: eles podem ver.
De início, See é um jogo de gato e rato, repleto de suspense e ação. Com três capítulos lançados (os demais serão liberados semanalmente), a série deixa claro suas inspirações e estilo. Dirigida por Francis Lawrence, competente cineasta responsável por Constantine, Eu Sou a Lenda e por quase toda a saga Jogos Vorazes, See é um deleite visual.
Claramente inspirado em O Regresso e no trabalho de Alejandro Iñárritu e Emmanuel Lubezki, Lawrence cria uma aventura naturalista e cheia de impacto visual. Quando a tribo ensaia um ritual antes da batalha, o diretor capta o momento com reverência. Nas cenas de ação, a edição mantém o espectador atento e bem situado, sem jamais apelar para cortes rápidos ou movimentos de câmera muito bruscos. O sangue jorra na lente e é possível ver a condensação do hálito no ambiente gélido.
Bom elenco e ideias se desenvolvem em universo rico em detalhes
Com isso, See cria um universo crível para sua história e personagens. A direção de arte é rica ao mesclar alguns elementos contemporâneos (garrafas de plástico, pneus, escadas de ferro) com outros rústicos, como cabanas, flechas, roupas em couro cru e demais adereços. Trata-se de uma junção orgânica entre passado e presente, muito semelhante ao que Mad Max já tão bem nos mostrou.
Neste cuidado com detalhes, é possível enxergar e entender uma nova sociedade que nasceu depois do pós-apocalipse. A linguagem é levemente diferente e a escrita se baseia em uma espécie de braile feito de nós em cordões. A neve que derrete, pinga na lama escura, e de detalhe em detalhe o público pode se sentir dentro da história. Outro ponto que enriquece a experiência é uso do som: com personagens cegos, os sons diegéticos ganham amplitude, e cada ruído ajuda na criação do suspense.
Ainda é cedo para ter qualquer tipo de certeza tanto para com See quanto com a plataforma da Apple. A trama da série ainda precisa estabilizar e os personagens crescerem. De início, porem, See já mostrou um par de personagens interessantes, um elenco firme (com destaque para Momoa e Alfree Woodard) e algumas ideias promissoras. Não se trata de um produto perfeitamente alinhado; algumas cenas e diálogos nos fazem torcer o nariz, enquanto outras beira o absurdo e o humor involuntário.
Ainda assim, trata-se de uma aventura bem executada que parece ter o suficiente para divertir.