Crítica: The Handmaid’s Tale testa limites e impressiona nos episódios 2×09 e 2×10
Série entra em sua reta final com episódios densos e chocantes.
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The Handmaid’s Tale tem o dom de abordar temas espinhosos, testar os limites da audiência e fazer um drama consistente e elegante mesmo com muito choque. Já comentamos em outros textos sobre os espectadores que deixaram ou desejam abandonar a série graças a sua inclinação à violência e ao pessimismo. Neste sentido, ainda que a qualidade da série seja inquestionável, não há como negar que o programa vem testando os limites do aceitável e tornando a vida de suas personagens cada vez mais difícil.
Assim, vamos tirar algo do caminho logo de início: a extensa cena de estupro exibida no décimo episódio é absolutamente desnecessária. Não importa o que o roteirista diga para amenizar e justificar o acontecimento; não importa o que os fãs mais fervorosos gritem em defesa à série. Não adianta criticar e militar contra 13 Reasons Why, por exemplo, e aceitar uma sequência tão desnecessária como a vista em The Handmaid’s Tale.
The Handmaid’s Tale testa limites… e talvez tenha ultrapassado alguns!
Alguém pode dizer que o estupro serviu para desenvolver os personagens e levá-los a um ponto diferente da trama, avançando a história. E isso é um erro. O roteirista afirmou que a cena serve para mostrar como Waterford e Serena se sentem mal após o ato. Mas Serena já demonstrava arrependimentos antes disso e Waterford também demonstrava compaixão e arrependimento. O estupro acaba sendo uma idiotice desnecessária que em nada ajuda na trama.
É verdade que vários estupros já foram mostrados durante a série, afinal, nenhuma cena de sexo entre os comandantes e as aias trazia um ato consentido. O problema da violência vista no décimo capítulo é que ele é gráfico demais, pesado, exagerado, desnecessário. Diversos artigos discutem sobre a necessidades de estupros em obras literárias e audiovisuais. É preciso parar de usar estupro como muleta narrativa, como se fosse a coisa mais banal para ser mostrada com tanta tranquilidade e frequência em tela.
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Alguém pode dizer: “mas o estupro é necessário à trama, para mostrar a violência e os absurdos aos quais as aias estão submetidas”. Para começar, o estupro não precisava ser mostrado. Uma breve cena no início e outra no final já seriam suficientes para revelar o que acontece. Não havia necessidade de cinco minutos de estupro para alcançar um objetivo narrativo. Além disso, não precisamo de mais cenas assim para entendermos com as aias sofrem e como aquele universo é insuportável. A sequência do encontro entre June e Hannah já seria dor suficiente.
Dito isso, o décimo capítulo de Handmaid’s Tale é muito bom, mas primeiro vamos falar sobre o nono episódio.
Em Smart Power, Waterford e Serena viajam até o Canadá para participar de reuniões diplomáticas. Aqui, os melhores momentos são aqueles onde vemos o choque de cultura entre os dois países. Serena contempla com tristeza as mulheres andarem livres pelas ruas; tristeza tanto por não concordar com aquela realidade, quanto por querer viver num sociedade como aquela.
O que nos leva a outro grande momento do episódio, quando um estranho oferece uma grande oportunidade à Serena: fugir de Gilead e contar sua história. Ela visivelmente fica tentada à aceitar, e esse balanço em suas estruturas serve para mostrar como existe um conflito interno na personagem. É uma pena que, às vezes, ela seja retratada como uma vilã tão unidimensional em alguns momentos, pois Serena é uma das personagens mais interessantes da série, justamente por revelar uma interessante complexidade.
Também acompanhamos Moira e Luke, e a cena em que eles abrem e leem as cartas das mulheres de Gilead é uma das melhores do episódio. Aqui está um núcleo que merece mais espaço; Moira segue muito apática na malha narrativa e Luke finalmente parece ter acordado para a realidade. Além disso, seria ótimo vermos um pouco mais da organização geográfica, político e social daquele universo. Como Canadá, Gilead e demais regiões estão dispostas. Esta é uma reclamação que faço desde a primeira temporada: quero ver mais das origens de Gilead e do mundo fora da casa dos Waterford. Já passamos duas temporadas naquele lugar; é hora de mudar.
O décimo episódio, apesar da polêmica cena de estupro, entrega grandes momentos.
Um deles, claro, é o encontro de June e Hannha. Foi grande a aflição quando a menina pareceu não reconhecer a mãe, e foi de partir o coração ao ver que ela não só reconhecia, como sentia saudades e não queria se despedir. Toda a sequência foi muito bem orquestrada e o desfecho angustiante. Nick é levado e June fica sozinha na casa, livre para fazer o que quiser. A dúvida que surge é: Waterford enviou aqueles homens para se livrar de Nick? Afinal de contas, June revelou ao comandante que o bebê não é dele. Tomado pelo ciúmes, Fred pode ter ordenado a eliminação do rapaz. É possível, também, que os Waterford não tenham responsabilidade no acontecimento, pois se tivesse, June também seria levada.
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Para encerrar, vale elogiar o excelente trabalho de direção de Jeremy Podeswa, responsável pelos dois capítulos. O diretor é um dos melhores e mais experientes da televisão, tendo comandado vários capítulos de algumas das melhores séries da história. Tê-lo na equipe deve ser uma grande honra para Handmaid’s Tale, e ele entrega um trabalho impecável. Sua câmera, aliada à deslumbrante fotografia, capta as mais singelas nuances. A própria cena de estupro é bem filmada pelo diretor, que já havia demonstrado sensibilidade com cenas do tipo (é dele o polêmico episódio de Game of Thrones que também envolve violência sexual).
A promessa é que os próximos episódios aumentem a tensão e joguem os personagens em uma espiral de ação, suspensa e reviravoltas. The Handmaid’s Tale testa os limites e atinge bons resultados. Continuando assim, pode afastar alguns espectadores. Quem perseverar, contudo, deve ser recompensado, assim como a série, que deve fazer bonito no próximo Emmy.