Critica: Boca a Boca, série da Netflix, alerta sobre doença viral
Crítica da primeira temporada da série brasileira Boca a Boca, produção original Netflix sobre uma doença viral transmitida pelo beijo.
Série brasileira, Boca a Boca é um espelho do cenário atual
Criada pelo paulista Esmir Filho, escritor e diretor do filme premiado “Os Famosos e os Duendes da Morte”, Boca a Boca é a nova produção brasileira da Netflix. Como eu já disse em outros textos, a plataforma aposta pesado em produções para o público jovem, da mesma forma que às vezes adiciona títulos sem muita publicidade. A nova série brasileira se encaixa nesses dois casos. Fique tranquilo, esse texto está livre de spoilers.
Na manhã seguinte a uma festa secreta no moldes de uma rave, os jovens de Progresso, uma cidade do interior, entram em pânico com a notícia de uma doença transmitida pelo beijo. Não demora muito e a notícia toma conta da cidade trazendo uma onda de pânico e preocupação. Os sintomas como alucinações, perda dos sentidos, mancha roxa nos lábios logo mostram evolução para olhos esbranquiçados e vasos sanguíneos fluorescentes (bizarro!).
A cidadezinha pecuária parece ser situada em uma bolha, longe da realidade das grandes cidades. Com isso, os pais e a escola tem papel muito efetivo na educação e no controle dos jovens. No entanto, a epidemia de uma doença desconhecida acaba revelando que esse controle não é tão eficaz, além de revelar algumas verdades escondidas por muitos habitantes. Depois da primeira morte a cidade muda pra sempre.
Um conto preventivo sobre drogas, escolhas e suas consequências
Fundada com raízes tradicionais e conservadoras, a cidade batizada de Progresso é uma piada que ao longos dos seis episódios se justifica. Movidos pela busca da liberdade nas suas próprias escolhas e nos relacionamentos, os jovens são expostos pela doença e isso gera uma exposição ainda maior dos adultos da cidade. A história contada pela perspectiva de três amigos introduz o espectador de forma súbita na trama de Boca a Boca.
Fran (Iza Moreira), Alex (Caio Horowicz) e Chico (Michel Joelsas) são amigos que tentam mapear a doença na tentativa de controlar os danos e preservar tudo sobre o “beijaço” que aconteceu na festa secreta. Mas tudo acaba saindo do controle. Além disso cada um é protagonista de sua própria história, vivendo conflitos e situações familiares e financeiras bem distintas. No entanto, a relação deles é baseada em uma forte conexão, resultado da falta de abertura e liberdade com os pais.
A atmosfera de tensão, medo e discriminação rapidamente toma conta da população. Igualmente, a epidemia rompe e expõe a desigualdade e os preconceitos presentes na cidade. A trama pode ser vista como uma viagem de ácido causando uma verdadeira sinestesia com suas imagens psicodélicas. Mesmo com algumas falhas, a série entrega uma história envolvente desde o inicio.
Apesar de se tratar de uma trama “rural”, a tecnologia é bem incorporada com as redes sociais, aplicativos de encontros, e diálogos inteiramente construídos em cima deles. A representação LGBTQIA+ é um dos destaques. A ambiguidade dos personagens é outro ponto interessante. E uma cena pós créditos leva o espectador a novos questionamentos. Afinal, quem são os vilões e os mocinhos na rivalidade do pessoal da cidade com o povo da aldeia?
Produção brasileira surpreende pela qualidade técnica
Boca a Boca parece se aproveitar bem de algumas referências para apresentar sua trama ao público. Enquanto utiliza transmissão de uma doença por contato íntimo como fator do medo e condenação (Corrente do Mal), entrega experiências sensoriais que marcam o estilo de vida dos jovens (Euphoria e Paraísos Artificiais) e um culto capaz de curar com práticas não convencionais (O Escolhido). A fotografia é incrível, abusando do neon e de uma paleta de cores exuberante.
A construção do suspense é bem sucedida e se aproxima do gênero terror, flertando com a ficção científica. O terror vai além de uma doença transmissível. O controle e o conservadorismo já aterrorizava os jovens bem antes. A série traz uma trilha sonora alternativa que foge do pop e das músicas badaladas típicas de produções adolescentes. Baco Exú do Blues, Letrux, The Knife e uma incrível versão techno de “Boi da cara preta” são facilmente encontradas.
Considerações finais
A autenticidade do roteiro perturba justamente por trazer uma situação tão possível quanto próxima do momento atual. Em determinado momento, uma segunda festa acontece e os jovens utilizam uma máscara plástica, uma espécie de camisinha do beijo. Por tanto, a tristeza do isolamento dos doentes, o drama para sepultar uma vítima infectada, os tratamentos que mesmo sem resultados são aplicados de forma insistente e atos irresponsáveis diante de um surto epidêmico, tudo isso torna a ficção muito próxima da realidade.
Em conclusão, o elenco jovem dá conta do recado, principalmente o trio protagonista. Denise Fraga (Hoje), Bruno Garcia (Sob Pressão), Bianca Byington (Segredos de Justiça) e Thomás Aquino (Bacurau) lideram o elenco adulto entregando interpretações sólidas, mas Denise Fraga rouba a cena. A estreia de Cursed deve ofuscar um pouco a atenção dos assinantes, mas quem decidir dar uma chance, Boca a Boca se revela uma grata surpresa. Com um final aberto e algumas respostas, existe ainda muito a ser revelado sobre os habitantes da pacata cidade de Progresso e a doença misteriosa.
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