Crítica: 3ª temporada de GLOW foge do trash e entrega episódios brilhantes
Crítica da terceira temporada de GLOW, série da Netflix.
GLOW está em seu melhor momento
As lutadoras de GLOW estão de volta, e definitivamente a série tornou-se uma joia rara do catálogo da Netflix. O terceiro ano da atração conseguiu elevar o tom, mostrando uma história mais aprofundada e desbravando temas difíceis com bom humor – mas de forma interessante e necessária.
No terceiro ano, após ter o programa cancelado, a equipe do “GLOW” se mudou para Las Vegas. Lá, eles apresentam o show semanalmente para uma plateia ao vivo, tornando cada episódio em uma nova aventura. Porém, a série tratou de “largar” o programa de lado – afinal, passamos duas temporadas vendo lutas de forma exaustiva. Então, agora o foco foi justamente tratar um pouco mais das personas que vestem as fantasias e encarnam os mais loucos personagens. De forma natural, preferiu examinar o conflito de mulheres com seus corpos e mentes, em situações de pressão e dificuldade. E convenhamos, isso acontece quase sempre.
GLOW aprimorou sua história
“Quando eu tinha 14 anos, tive a ideia de que a única coisa que as pessoas vão notar em mim é o meu corpo, então acho que é melhor ser perfeito”, disse Debbie (Betty Gilpin) para Ruth (Alison Brie), após a amiga notar que a Liberty Bell estava pulando algumas refeições. Elas continuam conversando, logo depois comem hambúrgueres, dão risadas, e então Debbie volta para o quarto e vomita tudo. Esta é uma das cenas mais emblemáticas da temporada, ao desafiar o espectador em entender que não é fácil compreender a relação traumática e por muitas vezes complicada da mulher com seu corpo. Poderia soar artificial, dado o tipo de humor que a série apresenta, mas tudo soa tão natural que você entende logo de cara toda situação.
Assim, GLOW não fica tratando do fato de que Debbie é bulímica. Mas alerta que ela faz isso devido a pressão que se coloca, constantemente em ser enxergada. Nessa temporada, mais do que nunca, ela continua desesperada por atenção – mas de forma centrada. Ela é produtora, mas não tem voz na construção do programa. Ela é mãe, mas está perdendo os momentos do filho por causa do trabalho. Debbie quer ser vista e ouvida, e principalmente respeitada. Mas o mundo que ela vive não trata de colaborar nenhum minuto.
A temporada, mais uma vez, é dominada pela personagem de Gilpin, que merecidamente foi indicada ao Emmy pelo papel. Sua personagem é frágil e feroz, e enfrenta brigas por vezes mais fora do ringue do que dentro.
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Nessa mesma ideia, sobre o corpo feminino, a série ainda aborda o fato da mulher necessariamente não querer ter filho, devido as transformações e impactos que isso pode causar – como o caso de Cherry (Sydelle Noel). Ou o fato de não se acharem sexy devido a etnia, como Arthie (Sunita Mani).
Caminhos perdidos
Já Ruth continua seguindo um caminho completamente perdido. A personagem, em dado momento, se dá conta de que realmente não sabe o quer. Ela hoje tem um trabalho e um namorado. Ela é amada e tem pessoas ao seu redor. Mas o sentimento de vazio permanece, e ela não entende o porque. Vai ver, o fato dela ainda não ter deixado sua marca de alguma forma a incomoda. Enquanto Debbie tem uma carreira “consolidada”, Ruth ainda busca um trabalho que a tenha marcado. Infelizmente, as circunstâncias não a favorecem e lhe incomodam extremamente. Talvez, por conta disso, ela tenha se irritado tanto ao perder uma oportunidade mais para o fim da temporada. Seria a confirmação de que ela sempre estaria fadada ao fracasso.
Porém, o que tanto Ruth quanto Beth não tenham enxergado é que ambas estão vivendo seus momentos. Apesar de GLOW não ser o programa nem a carreira ideal, elas estão crescendo e amadurecendo. Elas estão buscando seu lugar na sociedade, lutando para que a mulher seja respeitada – de uma forma ou de outra. Isso é o que torna essa série um coringa em meio a outras cartas de baralho.
Explorando outras oportunidades em GLOW
GLOW ainda conseguiu nesta temporada dar vozes para personagens que estiveram extremamente apagadas nas temporadas anteriores. Utilizando um pouco do esquema de Orange Is The New Black, em que cada episódio dá um certo foco para algum nome, a série explorou histórias incríveis. Não que os capítulos fossem focados, exclusivamente, em uma personagem. Mas em determinados momentos, percebíamos que a principal história era de uma ou de outra.
O sexto episódio, em que elas saem para acampar, talvez tenha sido o divisor de águas. Sheila (Gayle Rankin) abandona a faceta de lobo e busca encontrar-se como atriz – ou como mulher. Jenny (Ellen Wong) tem um dos momentos mais emocionantes da temporada quando conta como veio para os Estados Unidos, expondo os problemas de imigração que sempre existiram. A história, ainda, casa perfeitamente com práticas desumanas que pessoas ainda são submetidas, na tentativa de burlar o bloqueio no território norte-americano.
Já os personagens de Sunita Mani (Arthie) e Chris Lowell (Bash) serviram como escape para que o texto explorasse a dúvida em relação a sexualidade. O episódio 09 culmina em uma cena interessante, que explora mais disso. E o legal é que GLOW mostrou isso tanto pelo viés masculino quanto pelo feminino. O resultado foi um destaque maior para estes personagens e de forma merecida – e com cenas um tanto mais picantes.
Até mesmo Sam Sylvia deixou um pouco o lado canastrão e deu a Marc Maron a oportunidade de desbravar uma nova história com a filha de seu personagem. Embora, no saldo final, Maron parecia estar interpretando ele mesmo. Mas quem se importa? Amamos Sam e seu jeitão, e seus momentos são essenciais para que a narrativa continuasse fluindo.
Novos rostos
GLOW ainda tem o prazer de inserir novos personagens como Bobby (Kevin Cahoon) e Sandy Devereaux St. Clair, interpretada pela incrível Geena Davis. Os dois, inclusive, ganham destaque no penúltimo episódio que é um dos melhores de toda a série. No capítulo em questão, um baile no cassino Rhapsody é dado para que fundos direcionado ao combate a AIDS sejam recolhidos. Na oportunidade, o mundo gay é explorado de forma primorosa, mostrando que na década de 1980 o preconceito pertencia a um comportamento soberano colocado em qualquer esquina.
Nesse mesmo episódio, inclusive, também tem um dos momentos mais tristes da temporada. E é quando vemos que o ódio munido do ataque sempre existiu – e possivelmente, sempre vai existir. Isso nos faz questionar se convivemos realmente em sociedade, ou entre selvagens que não sabem respeitar o próximo.
GLOW tem seu lugar no mundo
A cena final é um pouco triste, se pensarmos que as meninas podem ter se separado de vez. Mas a maior lição que a série passa neste ano é que ela encontrou seu tom. Bem como a necessidade de contar histórias. GLOW deixou de ser uma série sobre um programa trash dos anos 1980 e passou a ser um canal em que a voz feminina ganha espaço. Em um mundo onde Orange Is The New Black não existe mais, seria horrível ver a série sendo cancelada. Ficamos na torcida para que ela ganhe mais episódios, e tenha tempo de ganhar um final devidamente elaborado para a importância que a série tem no cenário atual das séries de TV.
Somos TEAM GLOW, e não vamos abrir mão disso. De qualquer forma, só precisamos agradecer. Essa temporada foi um presente para os fãs, vindo diretamente dos anos 1980. Assim, seremos eternamente gratos por ela.