Crítica: Cobra Kai é emocionante, nostálgica e uma das melhores séries do ano
Crítica da primeira temporada de Cobra Kai, disponível no Youtube com 10 episódios.
Série resgata saudosismo de um clássico…
Não tive grandes amigos na infância. Por morar em uma rua movimentada, não saia muito para as eventuais “brincadeiras de rua”. Mas eu tive uma grande amiga na infância: a televisão. Foi lá que acabei adquirindo um amor pela cultura pop, e certamente o cinema está nessa lista. Se não era alugando um vídeo na locadora da esquina, era assistindo aos filmes escalados na Tela Quente, Sessão da Tarde, Cinema em Casa, entre outros… E quando tento resgatar algumas tardes em que passei assistindo a filmes que hoje são clássicos, Karatê Kid é um dos que mais me recordo assistir.
Talvez porque eu sempre brincava de Karatê Kid após o final do filme. Ou porque, mesmo sabendo quem ganhava a luta, eu sofria pelo nosso Daniel Sam. Enfim, são muitas recordações nostálgicas, que em um único dia foram despertadas assistindo à Cobra Kai.
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Essa introdução melodramática, para mim, é necessária. Justamente porque Cobra Kai carrega o fator nostálgico de ponta à ponta. E ele não precisa forçá-lo em suas cenas. Tudo soa muito natural.
Na primeira produção original do Youtube Red, uma tentativa do Youtube de entrar na disputa das gigantes de streaming na produção de séries de TV, Cobra Kai se torna uma continuação direta do primeiro filme de 1984. Até porque, nunca tivemos uma continuação direta daquela rivalidade entre Daniel e Johnny que é a grande protagonista do clássico longa. Ralph Macchio e William Zabka retornam aos papéis de sua vida, mas completamente maduros e com uma bagagem interessante.
Inimigos para sempre?
Na série, que possui episódios na faixa entre 30 e 40 minutos, a pegada mais leve se destaca em meio aos dramas dos personagens. Johnny Lawrence (Zabka) é um homem que chegou aos seus 50 anos e teve uma vida completamente fracassada. Abandonou o filho, não possui um emprego bom, e é tão pobre a ponto de ser confundido com um mendigo. Na contra-mão, Daniel LaRusso se tornou muito rico. Dono de uma loja de carros luxuosos, pai de um casal de filhos, marido da mulher perfeita, e habitante de uma casa com piscina invejável. E me alegra que Cobra Kai tenha escolhido a história de Lawrence para ser protagonista, justamente por ser a mais interessante.
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Quando disse lá em cima que a série soava nostálgica naturalmente, foi por conta de um fator muito interessante e, ao mesmo tempo incrível. É que embarcamos na nostalgia dos próprios personagens, ao reverem suas vidas e se perguntarem como eles chegaram ali. No caso de Lawrence, principalmente. Apesar da série inserir muitos desses contextos em situações engraçadas, dá pena de ver como Johnny fracassou em sua vida. E como ele se sente triste ao ver que um garoto com muito potencial se tornou um nada.
O resgate do Cobra Kai foi justamente a solução encontrada por ele para fazer algo em sua vida. E mal sabia ele que um puro egoísmo, ou uma auto-defesa contra o fracasso, se tornaria um de seus maiores feitos.
Bullying – o inimigo real!
Em tempos de internet, Instagram, e tudo mais, o bullying virtual se tornou fácil. E a série bate muito nesta tecla. O Cobra Kai se torna uma inspiração para os jovens que sofriam bullying na escola, porque Johnny se torna a representação de que a vida vai sempre lhe bater. Por isso que ele nunca facilita para seus estudantes. E a gente adora.
É interessante ver sua jornada como sensei, sua ligação com o garoto Miguel, e como isso reflete uma tentativa desesperada de buscar um sentido em sua vida. Ao mesmo tempo, é muito legal ver os jovens que sofriam bullying dando o retorno para os “valentões”. Tudo bem que algumas coisas se tornam extremas, e combater o bullying com o bullying não é legal. Mas na vida real, sabemos que muitas vezes só assim que funciona. E foi demais ver isso acontecer na série.
Disputas internas…
Se antes, LaRusso e Lawrence criaram uma disputa por conta dos métodos em que eles aprenderam Karatê, agora o reflexo é no modo como eles ensinam. Apesar de LaRusso soar babaca em diversos momentos, ele meio que tem uma carta branca da série. Afinal, ele é o nosso Daniel Sam, o garoto que sempre sofreu e sempre teve compaixão pelo próximo nas histórias de Karate Kid. E entendo esse problema exagerado que o personagem tem com Johnny. Mas, depois de 30 anos, imaginei que isso poderia ser águas passadas, não é mesmo?
Ambos acabam se tornando senseis de alguma forma. Johnny, com o resgate do Cobra Kai, e LaRusso com o garoto Robby – que por sinal, é filho do loirão. Sim, Robby vai até LaRusso apenas para irritar o pai, mas acaba encontrando uma inspiração e uma figura paterna que nunca teve em Lawrence. E no sentido de tentar consertar as coisas de sua vida, Johnny certamente fica irritado.
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E mesmo ao final, Cobra Kai surpreende com uma lição valiosa: às vezes, nem sempre o campeão é o real vitorioso. É um daqueles ciclos que realmente te satisfaz, após uma maratona de 10 episódios que passam voando. Entre lindas homenagens ao eterno Sr. Miyagi (Pat Morita) e cenas que vão do engraçado ao triste em instantes, Cobra Kai é certamente uma das melhores maratonas que pude fazer este ano.
Uma pena que ela não chegará ao público em uma escala gigante – uma vez que a Netflix ainda domina o cenário do streaming. Mas me deixa feliz em saber que a série se tornou um sucesso imediato ao ser lançada no Youtube, e espero de verdade que ela ganhe uma segunda temporada – até mesmo por um gancho surpreendente que ela deixa ao final. Precisamos de mais séries como esta, que se torna um alívio inteligente em meio à banalidade de roteiros na grande generalização que as séries de TV se tornaram.
Wax off. Wax on!