Crítica: Dom, série nacional da Prime Video, merece uma espiada
Dom, da Amazon Prime Video, é a primeira série brasileira do canal. Resultado não decepciona, mas precisa ser visto com consciência.
Toda arte é política. Em menor ou maior grau, toda manifestação artística tem, sem exceções, algum tempero político. Filmar um personagem sob determinada luz ou fazê-lo falar tal coisa já atestam para um posicionamento social e político, seja ele desejável ou não. Acreditar que os livros, filmes, séries, músicas, peças ou a própria existência seja apolítica é uma imbecilidade que não cabe aos nossos tempos. Dom, primeira série brasileira da Amazon Prime Vídeo, levanta essas questões mesmo que não tenha almejado tal debate.
Na trama, um policial civil sobe o morro de uma favela para buscar o filho, branco de classe média, que está em um baile funk regado a drogas. Ao trazê-lo de volta para casa, o algema na cama, para que não fuja. A partir daí, a série volta décadas no passado e conta a história daquele pai. No Rio de Janeiro de 1970, ele era apenas um mergulhador que encontra o corpo de um militar nas águas de Copacabana. É aí que o sujeito é chamado por membros da Ditadura Militar para exercer um serviço secreto.
Série aborda período da Ditadura Militar
Ora, então devemos encarar os trastes da Ditadura como agentes da CIA ou do FBI? Pois é assim que o texto os trata. Dom, portanto, é o típico produto brasileiro que o público adora: é o mais americano possível. O Arcanjo, homem poderoso na Ditadura, é quem “contrata” o jovem. De terno preto, parece o líder de uma agência secreta destinada a salvar o mundo. Não passa de mais um torturador – ou conivente – que quer “lutar contra as drogas”.
Pois o mal, aparentemente, são as drogas, os negros, o morro, a mãe do amigo do filho. Mas nunca o filho, praticamente adulto, que foge na calada da noite para se envolver em altas confusões em uma favela do barulho. O roteiro, por outro lado, tenta equilibrar a balança, inserindo diálogos que condenam certas ações do protagonista. Além disso, o lado terrível da Ditadura (não que houvesse um bom, pois não havia) é citado aqui e ali, mas nunca escancarado com a realidade e brutalidade que deveria.
Dom é mais uma prova do talento dos artistas nacionais
Cresce, assim, uma angústia. Dom é, sem dúvidas, bem executada e envolvente. O elenco, em sua maioria, é ótimo, e a equipe por trás das câmeras é quase a mesma de Um Contra Todos, uma excelente série nacional. O piloto transcorre num ótimo ritmo, e a edição dinamiza as sequências e constrói um fluido mosaico entre flashbacks. Paira incessantemente, porém, a sensação de que Dom não quer se sujar e fica jogando entre posicionamentos para ver qual agrada a maioria.
É uma pena, já que a série é irretocável do ponto de vista técnico. A direção de Breno Silveira, por exemplo, é segura. A transição que ocorre logo no início, quando acompanhamos pai e filho de moto em um túnel, é inteligente e bem realizada. Mesmo o roteiro é bem amarrado e desenvolve os personagens e as duas linhas temporais com propriedade. Faltou apenas um posicionamento mais claro, para um lado ou para o outro, para se atestar coragem, ao menos.
Apesar das polêmicas, série vale a pena
Em um mercado que cresce cada vez mais, Dom se destaca pela qualidade técnica e pelo roteiro ágil, que bebe claramente nas fontes das séries estrangeiras. O elenco, pouco conhecido pelo grande público, faz um ótimo trabalho e a trama promete tomar o público de assalto. A audiência, entretanto, deve assistir com o senso crítico afiado e alerta. Dom pode encher os olhos, mas deve também passar pelo filtro da percepção social e histórica.
Com ótima direção de arte e figurinos, que recriam o Brasil setentista com precisão e beleza, Dom merece a conferida. Adentrando o ramo das séries nacional, a Amazon tem muito a oferecer. Resta esperar por novas histórias e novos desafios. O país tem muita coisa para contar e muita gente boa para realizá-las.
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Nota: 3.5/5