Crítica: For All Mankind, série da Apple TV+, começa irregular, mas tem potencial

For All Mankind, da Apple TV+, é a série da plataforma que leva mais tempo para conquistar a audiência, mas talvez seja a mais recompensadora de todas.

For All Mankind imagina uma realidade alternativa em que a URSS chegou à Lua primeiro

As vastas possibilidades criadas por realidades alternativas se misturas na cultura sob diversas óticas e formas. Philip K. Dick já imaginara um mundo onde as forças do Eixo teriam vencido a 2ª Guerra Mundial, jogando a humanidade sob o domínio nazifascista. Em O Homem do Castelo Alto, elementos históricos eram distorcidos, inventados ou reinterpretados para se criar uma ficção que quase fora realidade. As realidades alternativas são ricas por permitirem o voo da imaginação sem precisar abandonar elementos realistas para se criar uma história.

For All Mankind, uma das quatro apostas da Apple TV+ em sua estreia na indústria do streaming, bebe na fonte dos universos alternativos ao fazer a questão típica deste tipo de história: e se o oposto tivesse acontecido? Aqui, Ronald D. Moore desenvolve a possibilidade da corrida espacial não ter acabado, mas se desenrolado através de fatos totalmente distintos aos conhecidos. Partindo do ponto em que a União Soviética pousou primeiro na Lua, e não os norte-americanos, Moore rapidamente estabelece a premissa de que uma pequena mudança pode transformar o rumo da História.

Premissa permite uma infinidade de interessantes desdobramentos

Em certo momento do piloto, por exemplo, um personagem afirma que um competidor desiste assim que o adversário coleta o ouro. Não há nada mais a ser feito; não existem dois primeiros. Há apenas um primeiro passo, apenas um vencedor. A grande questão é que a corrida espacial não era apenas um jogo para ver quem fincava uma bandeira no único satélite natural da Terra. A conquista da Lua assinalava um estilo de vida melhor e mais correto. Pisar na Lua era provar uma ideologia, um ponto de vista.

O roteiro é hábil ao sugerir, por exemplo, uma guinada política na Casa Branca: com a derrota na corrida espacial, qual seria o próximo passo de John F. Kennedy? Uma decisão distinta e o famoso presidente talvez não vá até Dallas, onde foi fatalmente baleado na cabeça. Kennedy vive, Nixon não acontece. Vietnã, Watergate, 11 de setembro… O que pode mudar quando apenas uma decisão importante é diferente?

Série carece de um protagonista que guie o espectador pela narrativa

Não é à toa que o título da série seja ambicioso ao incluir toda a humanidade em uma disputa aparentemente sem sentido. E a trama se desenvolve com bom ritmo, sugerindo pequenas e interessantes ideias nesta realidade alternativa. Ao indicar saltos temporais, e consequentemente os reflexos que a corrida gerou nos anos seguintes, o roteiro aumenta o escopo e transforma For All Mankind em um épico audacioso.

O problema é que talvez falte fôlego no texto e no elenco para suportar o tamanho da própria premissa. Joel Kinnaman, como esperado, injeta carisma em um personagem difícil. Edward, seu personagem, não surge como o mais simpático dos astronautas e nenhum outro rosto se antecipa como protagonista. Falta, portanto, um eixo, um nome para o público se debruçar. Numa vasta galeria de coadjuvantes, o espectador carece de um apoio, de uma bússola que o guie pela narrativa.

Potencial de For All Mankind é grande, basta investir nos personagens

É possível que Edward cresça com os episódios e torne-se o grande protagonista da história, ou então que as vindouras astronautas femininas assumam o controle das naves e da série. For All Mankind tem grande potencial, mas precisa se tornar mais uma narrativa sobre pessoas do que sobre diversos acontecimentos que se atropelam. Neste sentido, é preocupante que nenhum rosto e nenhum nome fique na memória do espectador assim que as primeira horas do show se acabam. Ronald D. Moore, que já criou excelentes programas como Battlestar Galactica e Outlander, é conhecido por comandar histórias complexas, povoada por diversos personagens. Sua estreia na Apple TV+ tem tudo para se tornar outro sucesso em seu currículo, mas seu texto precisa ser mais enxuto e humano.

De todo modo, este é um pecadilho que pode – e deve – ser contornado com o tempo. Há potencial por todos os cantos: Moore é um ótimo roteirista, o elenco é talentoso e a parte técnica não deixa a desejar. Como os demais projetos da Apple TV+, For All Mankind deve achar o seu público e agradá-lo enquanto existir. Há uma boa dose de ideias criativas e sequências bem executadas para prender a atenção. Para completar, a excelente recriação de época dá ao programa um tom caprichado e fácil de se relacionar.

No fim, For All Mankind é o programa da Apple TV+ que leva maior tempo para conquistar o público, mas deve ser o mais recompensador de todos.

Sobre o autor
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Matheus Pereira

Jornalista, curioso e viciado em cultura. Escreve há quase 10 anos no Mix e Six Feet Under é sua série favorita.

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