Crítica: Lovecraft Country é mais um espetáculo no catálogo da HBO
Lovecraft Country é mais uma prova de que a HBO segue como uma das melhores produtoras de conteúdo da televisão.
Misto de homenagem e crítica a escritor, Lovecraft Country da HBO estreia como uma das melhores novidades do ano
H.P. Lovecraft é um dos nomes mais lembrados quando surge o debate: é possível separar o homem da obra? O escritor é tido como um dos pais do horror, sendo considerado o criador do horror cósmico. Sua importância para a literatura é tão grande quanto a de Edgar Alan Poe, Mary Shelley, Bram Stoker ou sucessos mais recentes, como Stephen King. O problema é que as obras do autor são banhadas em racismo e xenofobia. Lovecraft Country, nova série da HBO, é um misto interessantíssimo de homenagem e crítica severa ao homem e sua arte. O que é uma enorme ironia.
Seria cômico ver a cara de Lovecraft ao perceber que sua obra muitas vezes é referenciada, homenageada ou adaptada justamente na mistura entre suas criações e a cultura negra contemporânea. Os protagonistas de Lovecraft Country são todos negros, assim como em outro romance elogiado nos últimos anos: A Balada do Black Tom. Cresceu na cultura de horror, felizmente, um senso crítico afiado, que homenageia, mas não deixa de tecer duras críticas ao que é execrável.
A difícil tarefa de separar criador e criatura
Por mais que Lovecraft e seus textos sejam obras de seu tempo, devemos repensar o valor e o alcance de tudo nos dias atuais. O escritor segue sendo aclamado mundo afora, mas é urgente que associemos o seu nome à realidade de seus preconceitos. Nas Montanhas da Loucura segue sendo um elemento seminal na literatura do gênero, mesmo que as atitudes de seu criador sejam repreensíveis. O mesmo acontece com as produções de outros homens cancelados no curso da história: seus projetos, por melhores que sejam, não apagam seus erros. O caminho inverso, contudo, é semelhante: não é possível apagar a qualidade das coisas por causa dos erros de seus feitores.
Devemos, entretanto, seguir discutindo ambos: autores e obras. É nosso dever debater e tentar impedir que os erros se repitam. Protestar para que estes homens parem de trabalhar é válido. Harvey Weintein, Brian Singer, Kevin Spacey: estes e muitos outros não merecem nenhum minuto a mais de atenção e dinheiro. O esquecimento e a punição é o que merecem. Suas obras anteriores, porém, ainda existem. Assim como as palavras de Lovecraft.
Lovecraft Country acerta ao aliar seriedade a diversão de primeira linha
Em Lovecraft Country, acompanhamos as aventuras de Atticus e seus familiares e amigos em busca de respostas para mistérios que não param de surgir. Tudo parece sair direto das ficções que o jovem ama ler, principalmente dos escritos de H.P. Lovecraft. No início da trama, vemos Atticus, seu tio George e sua amiga Letitia cruzarem os Estados Unidos dos anos 1950 para encontra Montrose, pai de Atticus que desapareceu deixando inúmeras dúvidas no ar. Além de um preconceito arrasador, o trio ainda passa por diversos perigos ao se depararem com forças sobrenaturais.
O que se destaca com maior exatidão no excelente piloto da série é a naturalidade com que a história se desenvolve. Apesar do peso e da gravidade dos temas sociais, Lovecraft Country não pesa a mão no discurso e apenas deixa acontecer. Não é intenção do roteiro passar sermão, mas mostrar o absurdo dos acontecimentos. O racismo visto aqui é tão monstruoso e fora da realidade quanto os monstros que atacam no clímax. Ambos são desprezíveis e perigosos.
A série acerta, portanto, ao aliar seriedade com diversão sem jamais perder o ritmo. É, em muitos aspectos, superior a Watchmen, último sucesso da HBO que também bebia doses cavalares de cultura nerd e tentava discutir a sociedade. A diferença é que a série dos vigilantes mascarados era pesada, um prato que descia quadrado, cheio de si e pronto para passar discursos. Lovecraft Country, por outro lado, mantém o ritmo e a tensão nas alturas, apresentando cenários e personagens sem jamais confundir ou ser enfadonha. É um exemplo de como estruturar um piloto e conduzir uma estreia.
HBO aposta alto em Lovecraft Country. Resultado enche os olhos.
Para tudo dar certo, há um tripé resistente e elogiável: pano de fundo e referências potentes, elenco de primeira e valor altíssimo de produção. Para começar, Lovecraft Country é o sonho nerd lotado de easter eggs que todo fã adora. Não é, entretanto, uma homenagem descarada como Stranger Things. Como o próprio livro que inspirou o programa (lançado no Brasil como Território Lovecraft), aqui veremos diversos tipos de horror: cósmico, casas assombradas, transformação física, ficção espacial e muitos outros. Em cada momento há uma chuva de boas referências e domínio do material.
Já o elenco brilha, mesmo que inicialmente limitado. Jonathan Majors, Jurnee Smollett e Courtney B. Vance carregam o show nas costas por quase todo o tempo. A química do grupo é inegável e cada um cresce gradativamente, revelando camadas de personalidade. Suas trajetórias no final do episódio fazem despertar a deliciosa vontade de seguir acompanhando aquela história, de assistir só mais um capítulo.
Já a produção revela a impecabilidade típica da HBO. Dos cenários ricos em detalhes (amparados por fantásticos efeitos especiais) até a fotografia, Lovecraft Country ainda é um primor de direção. As sequências de ação são belamente orquestradas, com edição precisa e um show de efeitos especiais (a cena inicial e o clímax são repletos de CGI). Espere por um desfile completo dos anos 1950 e uma porção de sustos, ação e muita consciência social.
Livro que inspirou série, Território Lovecraft, também merece ser descoberto
Fiel ao material de origem (o piloto cobre quase todo o primeiro conto), Lovecraft Country deve fazer pequenas alterações no livro de Matt Ruff. Para começar, o romance é dividido em contos interligados. Em muitos, Atticus sequer aparece. A impressão é que a HBO deve fazer Atticus e Letitia os protagonistas oficiais da série, incluindo a dupla em histórias que não seriam as deles no livro. De todo modo, o piloto revela um cuidado e um carinho elogiáveis dos produtores param com o material original.
Lovecraft Country terá 10 episódios e é produzida por J.J. Abrams e Jordan Peele, além de sua criadora, Misha Green. O piloto, desde já, marca uma das melhores estreias do ano.
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