Crítica: O Irlandês, filme da Netflix, une Scorsese e DeNiro em um roteiro intrigante
Crítica de O Irlandês, longa da Netflix produzido por Martin Scorsese e estrelado por Robert DeNiro. Filme estreia na plataforma no dia 27 de novembro.
Filme já é um dos favoritos ao Oscar 2020
Após uma longa cena de ambientação em um asilo, embalada por uma canção antiga, o público se depara com uma versão mais velha de Robert De Niro. Ele é Frank Sheeran, um veterano de guerra, que trabalhou como caminhoneiro, mas viu a sua vida mudar após se tornar assassino de aluguel da máfia. E é justamente esta saga que o próprio protagonista vai contar ao público, ao longo de três horas e meia, em O Irlandês. O filme é a mais nova aposta da Netflix para o cenário, trazendo o peso de um nome como Martin Scorsese na direção.
Utilizando flashbacks e recursos de narração, o novo filme de Scorsese mostra a real história de Frank Sheeran. O personagem também conhecido como “O Irlandês”, após conhecer Russell Bufalino (Joe Pesci) e começar a “pintar casas” para a máfia, nos Estados Unidos. A expressão é uma espécie de metáfora para “assassinatos”, uma vez que o sangue que espirra das cabeças e corpos de pessoas que levaram um tiro acaba manchando de vermelho as paredes próximas.
Depois de estabelecida uma relação de confiança, Bufalino diz para Sheeran que um amigo influente e poderoso está precisando de ajuda. É neste momento que “O Irlandês” é apresentado a Jimmy Hoffa (Al Pacino), lendário líder sindical, e passa a ser uma espécie de guarda-costas dele. A partir daí, a narrativa do filme ganha mais corpo, mostrando as intrínsecas relações de interesse entre a máfia, os sindicatos e o governo.
Um filme de máfia no estilo Scorsese
O filme é baseado no livro I Heard You Paint Houses, lançado no Brasil com o título de O Irlandês: Os Crimes de Frank Sheeran a Serviço da Máfia. Na obra, o jornalista Charles Brandt conta as memórias de Frank Sheeran, um dos maiores assassinos ligados à máfia nos Estados Unidos. O livro também elucida o que aconteceu com Jimmy Hoffa, poderoso líder sindicalista que desapareceu misteriosamente na década de 1970.
Apesar de ser um filme longo, O Irlandês tem uma narrativa muito bem construída. A união de cenas de ação, com um ritmo acelerado de acontecimentos e uma edição muito bem pensada ajuda o público a não sentir a exaustão de assistir mais de três horas de filme. São poucos os momentos em que a trama fica um pouco mais arrastada. (Mas, vale lembrar, que a experiência da pessoa que assistir o longa na sala de cinema vai ser completamente diferente de quem conferir pela Netflix, que possibilita aquelas pequenas pausas de descanso).
Outro ponto que traz mais leveza ao filme é que, apesar de Scorsese retratar a máfia e toda a violência cometida por ela, o diretor também consegue inserir diálogos cheios de humor ao longo da narrativa. Tudo isso, claro, mesmo em cenas cheias de tensão. Jimmy Hoffa, o personagem de Al Pacino, protagoniza vários desses momentos. Seja com a sua ironia ácida, a sua intolerância a atrasos ou mesmo com as cenas do líder sindical se deliciando com sorvete.
Elenco de O Irlandês é afiado
A interpretação do ator também é um ponto a ser ressaltado. Al Pacino não economiza nas emoções, gestos e, é claro, palavrões para viver Hoffa, conseguindo inclusive roubar um pouco a cena de De Niro em alguns momentos. Este, por sua vez, se mostra novamente uma escolha acertada de Scorsese. Já a presença de Joe Pesci é a cereja que faltava na produção.
Como a jornada de Sheeran se desenrola ao longo de várias décadas, Scorsese utilizou uma tecnologia de rejuvenescimento digital. Assim, De Niro, Al Pacino e Pesci conseguem interpretar até mesmo as versões mais jovens de seus personagens, ainda que, na vida real, eles já tenham mais de setenta anos. Portanto, o resultado acaba sendo um presente para o público. É possível apreciar a jornada completa dos três atores no desenvolvimento de Frank Sheeran, Jimmy Hoffa e Russell Bufalino, respectivamente.
Um dos pontos mais surpreendentes no personagem de Frank Sheeran é a forma fria como ele comete os assassinatos. O Irlandês não vacila e nem sente remorso por tirar outras vidas. Para ele, aquilo é um trabalho a ser feito, como qualquer outro. Um de seus alvos, inclusive, é morto na frente de sua esposa e filha, já que aquilo é também uma lição a ser aprendida.
É interessante observar que, se no ambiente de trabalho, O Irlandês está sempre cercado por homens, na vida familiar a presença das mulheres é predominante. A esposa e as filhas do assassino, que acabam ficando em segundo plano tanto na vida de Sheeran, quanto no próprio filme, são um contraponto moral ao seu estilo de vida. Peggy Sheeran é colocada em diversos momentos mostrando a sua desconfiança e desaprovação com as atitudes do pai e de seus colegas, exceto por Hoffa, por quem a garota realmente sente admiração.
Vale a pena assistir… Além disso, completo. Todavia,
A construção do personagem de Sheeran cresce quando o vemos quase no fim da vida falando sobre o seu passado e refletindo sobre a sua história. O Irlandês, apesar de afirmar não sentir remorso, procura até na religião uma possível redenção. Os olhares e silêncios de De Niro são fortemente expressivos. O que restou para ele depois do fim?
Além disso, O Irlandês traz um forte retrato sobre as relações de poder dentro da máfia e como os impasses são resolvidos quando os interesses e ambições de seus membros estão em jogo. Isso é o que Frank Sheeran, cedo ou tarde, acaba compreendendo.
Com um roteiro muito bem trabalhado, grandes atuações e a direção de um dos maiores nomes do cinema contemporâneo, o filme, sem dúvida, é um forte candidato ao Oscar.
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