Crítica: A Maldição da Residência Hill acerta em todos os aspectos

Nova série de horror da Netflix, The Haunting of Hill House é uma das melhores obras do gênero e uma das grandes séries do ano.

Imagem: Netflix/Divulgação
Imagem: Netflix/Divulgação

The Haunting of Hill House, uma obra-prima do medo.

As casas assombradas existem desde que histórias passaram a ser contadas. Quando o Homem, nos cantos mais remotos da história, passou a verbalizar o que passava em sua vã imaginação, é possível que os fantasmas – aqueles do lado de lá – já habitassem suas tramas.

Lugares assombrados talvez tenha surgido até antes disso, quando abrigos começaram a ser construídos. Do casebre mais singelo à mansão mais ostentosa, os espaços parecem sempre propícios a uma assombração. Como Shirley Jackson escreveu em The Haunting of Hill House, nenhum organismo vivo é capaz de manter-se são por um longo tempo em condições de absoluta realidade.

Em outras palavras, é intrínseco de qualquer ser vivo, principalmente ao Homem, fugir de sua realidade, seja através dos sonhos ou da imaginação. Uma casa vazia pode não ser assombrada, mas nossa mente rapidamente resolverá a situação preenchendo os cantos escuros com um fantasma e outro. O lugar pode estar puro, livre de qualquer espectro, mas nossa imaginação irá assombrá-lo por conta própria. Nós, organismos vivos, adoramos e precisamos do incerto, do que nos dá arrepio na espinha e produz medo na camada mais profunda da mente.

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A Casa da Colina, o personagem mais importante

Casas assombradas, de certa forma, podem ser encaradas como organismos vivos, e é isso que The Haunting of Hill House parece entender e nos passar: a casa na colina é um organismo pulsante, erguido incólume no solo amaldiçoado de um lugar qualquer. Talvez seja por isso que a nova série de terror da Netflix seja uma das melhores produções sobre mansões assombradas já feita e certamente uma das melhores obras do gênero dos últimos anos. A casa é um personagem ativo, importantíssimo na narrativa. Foi-lhe concebida personalidade, alma e um visual absolutamente arrebatador. Ao tornar a residência tão viva e importante, os terrores que acontecem em seus cômodos tomam maior proporção, ganham propósito.

The Haunting of Hill House acompanha a família Craine, composta por sete membros: pai, mãe e cinco crianças. O grupo chega à casa da colina na intenção de reformá-la e vendê-la meses depois. Ficar na mansão não é o objetivo e logo todos sairão dali. Anos mais tarde acompanhamos os filhos crescidos dos Craine. Cada um vive à sua maneira, mas os segredos do passado parecem não repousar, e logo a antiga casa da colina retorna à memória da família ao passo que o quebra-cabeça vai se montando unindo passado e presente numa trama absolutamente aterradora e inventiva.

Criada por Mike Flanagan, um dos maiores nomes do terror atual, The Hunting of Hill House acerta em todos os aspectos, revelando-se como uma das melhores séries do ano e uma das melhores obras do gênero dos últimos tempos, ao lado de notáveis como Um Lugar Silencioso, Hereditário A Bruxa. O fato é que nunca uma série de TV havia arriscado tanto no gênero.

Nem American Horror Story, nem The Exorcist ou qualquer outra série de terror apostaram tanto na criação de atmosfera e nos sustos eficientes. Por mais que muitos programas do gênero sejam ótimos, a verdade é que poucos assustam de fato, e raramente atingem a qualidade de amedrontar que o cinema, por exemplo, é capaz. The Haunting of Hill House, contudo, é a primeira a conseguir assustar de verdade, e acredite em mim quando digo que você pode ter um par de pesadelos e algumas luzes acesas à noite depois de acompanhar a história da família Craine e a casa da colina.

Mistura precisa de drama familiar e horror

O show talvez seja tão eficiente justamente por apostar na força da casa assombrada como personagem e no desenvolvimento de seus personagens. A Maldição da Residência Hill, como foi batizada no Brasil, é uma espécie de This is Us mergulhada numa atmosfera de absoluto horror. É como se Six Feet Under encontrasse O Iluminado Os Outros e criassem uma criatura totalmente nova e igualmente arrebatadora. A galeria de personagens é incrível e todos, sem exceção, são desenvolvidos com preciosismo elogiável. Até mesmo o coadjuvante mais remoto, como o caseiro Sr. Dudley, recebe um lindo tratamento tanto por parte do roteiro quanto pelo ator responsável por lhe dar vida.

The Haunting of Hill House, portanto, é uma série pensada e executada com esmero, com cada fala e quadro criados com precisão cirúrgica, para que o resultado final seja sólido. Este é um dos benefícios de se pensar na temporada de forma única e voltada a uma plataforma como a Netflix, em que todos os episódios são lançados simultaneamente. O primeiro ano inteiro é um grande arco que precisa ser visto como um todo, ainda que funcione belissimamente em capítulos separados. Acompanhamos pontos de vista distintos e fatos fora de ordem cronológica; no primeiro episódio, por exemplo, vimos cenas do penúltimo, e tudo faz sentido no final, revelando a genialidade técnica e narrativa de Mike Flanagan e sua equipe.

Nesta primeira temporada, que pode ser a única, os cincos primeiros capítulos são destinados a desenvolver as personalidade de cada irmão, sendo que cada um protagoniza o seu próprio episódio. A partir da sexta parte é que o quebra-cabeças vai sendo montado, e os resultados atingem um maravilhoso ápice na impactante e emocionante finale. Hill House é uma experiência única e completa, ou seja: ainda que exista a possibilidade de renovação, a primeira temporada tem início, meio e fim bem estabelecidos, e podem ser apreciados sem que haja retorno posterior.

Em resumo…

…e sem medo de exagerar, The Haunting of Hill House pode ser um marco no gênero dentro da televisão. As série de horror que virão terão de correr e se esforçar muito para alcançar as notas aqui estabelecidas. Flanagan desenhou o modelo e mostrou como uma série de horror deve ser feita. Sua direção é uma aula, e o sexto episódio, filmado em longos planos-sequência, merece um Emmy de Melhor Direção – e até o Oscar, se a Academia indicasse série de TV em seu prêmio anual. Este trabalho impecável ainda é amparado por uma direção de arte precisa, que recria o horror gótico como poucos ousaram no audiovisual. Soma-se a isso a genial fotografia e a atmosférica trilha sonora e temos um dos melhores produtos que a televisão nos entregou em 2018.

Leia também: O elenco de A Maldição da Residência Hill – saiba quem são

Sobre o autor

Matheus Pereira

Coordenação editorial

Matheus Pereira é Jornalista e mora em Pelotas, no Rio Grande do Sul. Depois de quase seguir carreira na Arquitetura, enveredou para o campo da Comunicação, pelo qual sempre nutriu grande paixão. Escritor assíduo na época dos blogs, Matheus desenvolveu seus textos e conhecimentos em Cinema e TV numa experiência que já soma quase 15 anos. Destes, quase dez são dedicados ao Mix de Séries. No Mix, onde é redator desde 2014, já escreveu inúmeras resenhas, notícias, criou e desenvolveu colunas e aperfeiçoou seus conhecimentos televisivos. Sempre versando pelo senso crítico e pela riqueza da informação, já cobriu eventos, acompanha premiações, as notícias mais quentes e joga luz em nomes e produções que muitas vezes estão fora dos grandes holofotes. Além disso, trabalha há mais de dez anos no campo da comunicação e marketing educacional, sendo assessor de imprensa e publicidade em grandes escolas e instituições de ensino. Assim, se divide entre dois pilares que representam a sua carreira: de um lado, a educação; de outro, as séries de TV e o Cinema.