O Mecanismo acerta na produção, mas peca com a visão reducionista de José Padilha
Crítica da série O Mecanismo, produção brasileira da Netflix e dirigida por José Padilha.
Frases de efeito canalizam a tentativa de “neutralidade” do diretor…
O Mecanismo é a mais nova produção brasileira da Netflix. Com ares de série internacional, podemos afirmar que é algo grandioso… em termos técnicos. E não estamos dizendo que é uma série com efeitos especiais, ou algo do tipo, muito pelo contrário. Mas a ambição em retratar o cenário político brasileiro deu para a serie um ar de thriller policial que poucas produções nacionais apresentam.
Claramente bebendo na fonte de séries como Mindhunter, Criminal Minds, e até mesmo The Killing, O Mecanismo é talvez o grande acerto em termos de produção para a Netflix no Brasil. Supera, e muito, todas as falhas que cometeu com 3%, por exemplo. Além disso, possui um elenco que tem vontade de dar o seu melhor, e conquista a simpatia do público a medida que a trama se desenrola.
Entretanto, há um problema em O Mecanismo, que talvez quebre todos estes acertos técnicos de produção que a série tem: a visão um tanto “utópica” do diretor José Padilha. No encontro com jornalistas, na semana passada, dava para perceber – e entender – o porquê O Mecanismo soa um tanto incoerente. É que Padilha defende que não tem lado, e que a corrupção está em todo o lugar. “A corrupção é um câncer“, como a série mesmo diz. Entretanto, com essa tentativa de se manter neutro, Padilha acaba tomando lados – sem mesmo querer, ou saber.
Em certo ponto, as falas de personagens lembram a de políticos tentando se defender de acusações, ou ao mesmo passo acusando outros – sendo que provavelmente o político X estava cometendo o mesmo crime que o Y. Ou o Y, que estava sendo acusado de um crime que, no final das contas, deixou de ser crime.
Frases de efeito que incomodam!
Chega a cansar o quão os personagens exageram nas frases do tipo “Deus não é brasileiro”, ou até mesmo a própria tecla do “câncer” que volta e meia é destacada. Essa foi a tentativa de Padilha para vender a trama internacionalmente, colocando a polícia como o mocinho e o político como bandido.
Ao dizer que é “neutro” nessa história, Padilha se contradiz ao elevar uma categoria que também tem lá suas parcelas de corrupção – a própria Polícia Federal. Pelo menos, a série consegue ser mais “pé no chão” do que a recém piada do cinema, “Polícia Federal – A Lei é Para Todos“.
Se tirasse as frases de efeito, ficaria ainda melhor.
Elenco e trama…
Selton Mello dá vida ao delegado da Polícia Federal, Marco Ruffo, que tem um inimigo número um: o doleiro Roberto Ibrahim (Enrique Diaz) – claramente inspirado em Alberto Youssef. Entrando na jornada de Ruffo, está a policial Verena Cardoni (Caroline Abras), que em certo ponto passa a ser a líder da investigação – e das narrações que tentam impactar o espectador.
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Há menções fictícias à políticos como Dilma Rousseff, Lula, além da trama da corrupção na Petrobrás (carinhosamente aqui chamada de PetroBrasil) – que vira chacota na série, ao ver que o ex-diretor da empresa está mais preocupado em levar uma bronca da mulher por aceitar um carro como propina do que ter seu nome descoberto em algum esquema de corrupção.
Em um texto que se torna incoerente a certo ponto, o que salva O Mecanismo são mesmo algumas atuações – como a de Caroline Abras. Além disso, o ar de produção internacional se faz em tomadas incríveis. São cenas de perseguições angustiantes que completam uma edição de tirar o chapéu. Mas mesmo que os episódios sejam assinados por Elena Soarez, a visão pessimista de Padilha predomina e não funciona. É tentar ser neutro quando, claramente, a neutralidade tem lado. Tudo isso acaba reduzindo a série a apenas mais uma trama que se torna tendenciosa quando na verdade tudo que ela não quer é ser isso.
A Netflix está no caminho certo para as produções nacionais – talvez, a segunda temporada de 3% conserte os problemas ainda mais. Ela só precisa tomar cuidado na hora de escolher quais histórias contar, para não cair no ostracismo de ser apenas “mais uma visão utópica” de uma trama que estamos carecas de saber – e debater.