Crítica: História de Madam CJ Walker vira série encantadora na Netflix
Crítica da série A Vida e a História de Madam CJ Walker, lançada pela Netflix nesta sexta (20) e que conta a história real da primeira milionária dos EUA.
Conheça Madam CJ Walker
“Irmãs, irmãs! Vamos falar sobre cabelo. O cabelo pode ser a liberdade ou a escravidão. A escolha é sua.”, disse Madam CJ Walker logo no começo da série da Netflix.
E por mais que você possa pensar, “Caramba, estou vendo uma série sobre produtos de beleza“, Self Made (A vida e história de Madam CJ Walker, no Brasil) mostra que o preconceito ainda precisa ser vencido nos dias de hoje. Mesmo que já existisse pessoas lutando por isso naquela época.
Essa afirmação, sobre a futilidade dos produtos para cabelo é, na verdade, um pensamento que predominou à época, e que quase impediu a protagonista desta história de ser quem ela foi. Mas a perseverança, ambição e vontade de vencer, predominaram juntas, fazendo Madam CJ Walker entrar para a história.
Nasce uma milionária
A série, estrelada por Octavia Spencer, conta a história de Sarah Breedlove – uma mulher que assumiu como missão de sua vida apreciar e cuidar da variedade de beleza retratada pelas mulheres negras e seus cabelos.
Como ela mesmo diz na série, era filha de escravos, órfã aos sete anos, casada aos 14 e viúva e com uma filha de dois anos aos 20. Trabalhou como lavadeira e, por muito pouco não ficou careca. Mas graças a um produto revolucionário, ela vê sua auto-estima aumentar. E embora a dona do produto não aposte no empenho de Sarah, por conta própria ela constrói uma marca que revolucionaria a história cultural da mulher negra.
A trama é inspirada nos escritos de sua bisneta, A’Lelia Bundlesrie, trazendo a vencedora do Oscar Octavia Spencer em um papel triunfal. Inclusive, ela tem tudo para ser destaque na próxima corrida do Emmy Awards. Com uma atuação impecável, Spencer exala força e vulnerabilidade ao dar vida para Madam CJ Walker. E, além disso, demonstra presença de tela sem qualquer esforço, conseguindo atrair a atenção de todos desde o primeiro episódio.
Com quatro episódios – o que é pouco a meu ver – a intenção é mostrar como que uma mulher vindo do nada teve o pulso firme para se tornar milionária. E não é qualquer milionária: ela foi a primeira mulher a conseguir este feito, por meios próprios. Tal fato, inclusive, é registrado no livro dos Recordes.
Protagonista foi símbolo para a mulher negra
Embora a série falhe em alguns pontos, em explicar necessariamente como ela se tornou uma empresária de sucesso, a trama dá atenção em alguns pontos interessantes. Portanto, é possível ignorar o fato de que o roteiro torna superficial as formas como que Sarah conseguiu sua fortuna – embora saibamos que foi com bastante trabalho.
Mesmo assim, a série da Netflix quer destacar sobre como sempre foi difícil ser mulher e, mais ainda, uma mulher negra. A sociedade, que sempre massacrou a minoria, foi representada de forma cruel, a partir da perspectiva de que nada veio fácil para Sarah.
Breedlove, assim, tornou-se símbolo de inspiração para muitas outras mulheres negras. Também, tornou-se um exemplo de que seria possível sim uma mulher lançar seu próprio negócio e tornar-se financeiramente independente de seus maridos.
Durante os quatro episódios, de forma equilibrada, passamos pela trajetória da figura – que pode ser desconhecida para grande parte do mundo. E aqui está um ponto muito positivo da série que é poder apresentar este legado para muitos países que não faziam ideia de quem foi Madam CJ Walker, e seus feitos para a mulher no século XX.
Foi graças a figura que, por exemplo, realizou-se na Filadélfia a primeira reunião de mulheres empresárias dos EUA, independentemente da sua raça ou origem social. Tudo isso em 1917, no meio de uma Guerra Mundial.
Produção impecável
Com trajes e cenários de época de tirar o fôlego, incluindo uma variedade impecavelmente familiar de chapéus para mulheres e homens, a série faz um trabalho digno de explorar a natureza expansiva da negritude naquele momento. Tudo isso, sem querer explorar ou destacar a superioridade racial branca. Claro, que este é um tema tocado na série, mas de forma sutil, pois há uma vontade de mostrar o diferencial na narrativa desta história.
Aqui, a série quer mostrar que é possível também vencer mesmo sendo negro em uma sociedade autoritária e dominada por brancos. Não sendo uma tarefa fácil, tal vitória é conquistada por muito trabalho e muita vontade de vencer.
A vida e história de Madam CJ Walker também acerta ao explorar a vida de Lelia (Tiffany Haddish). A filha da protagonista tornou-se uma coadjuvante interessante e ao mesmo tempo necessária para que a história de Sarah fosse contada. Lelia seria apelidada de “A Deusa da Alegria do Harlem na década de 1920″ pelo famoso poeta Langston Hughes. Isso por causa do papel crucial que desempenhou na criação de um espaço seguro para artistas queer durante o Renascimento do Harlem.
Embora tudo seja feito com sutilidade, seria simplesmente um desserviço deixar de reconhecer as importantes conexões criativas, sexuais e emocionais construídas na residência Walker, e que fizeram parte da construção deste grande legado.
Considerações finais
O ritmo da série é perfeito, mergulhando na vida no interior com seus personagens principais, e fundamentando a história na necessária relevância histórica da época. No entanto, a produção da Netflix desperdiça alguns momentos preciosos com várias sequências fantasiosas, semelhantes a sonhos, que intercalavam com a história principal. Muitos destes momentos foram desnecessários, e que podiam ser aproveitados para aprofundar ainda mais a história de CJ Walker.
De qualquer forma, e mesmo com estes pequenos erros, a série é um retrato inteligente e genuíno de uma figura venerável e importante de ser lembrada e conhecida.
Todos os episódios de A Vida e a História de Madam CJ Walker estão disponíveis na Netflix.