Crítica: Beartown, série da HBO, é uma ótima surpresa
Beartown, da HBO, é drama eficiente que mistura esporte, drama familiar e relevantes discussões acerca de abusos e como reagimos a eles.
Beartown, da HBO, tem cinco capítulos e promete envolver como uma das melhores estreias do ano
A temática do abuso sexual tem tomado a cultura através de boas histórias. Ainda que sirva como reprovável muleta narrativa (o estupro serve apenas para avançar a trama ou mudar uma personagem), o doloroso tema tem ganhado bons debates no Cinema, na TV e na Literatura. Bons roteiros, portanto, compreendem que o crime não é diversão, nem ferramenta para cenas de horror ou suspense. Trata-se de um ato monstruoso que precisa de um tratamento cuidadoso e inteligente. Beartown, nova série da HBO, faz um belo trabalho neste sentido.
Série sueca, Beartown chegou ao Brasil no final de fevereiro. Com cinco capítulos, a produção, baseada em um famoso e elogiável romance homônimo, mistura coming of age com esporte e complicados dramas familiares. Assim, no melhor estilo Friday Night Lights, a série mostra como um esporte (o hóquei, neste caso) pode movimentar e ser a vida de uma pequena cidade. Em Beartown, pequeno município decadente, escondido no gelo, o jogo é a razão de viver de seus moradores. Mas assim como a economia e a moral do lugar, o time não anda em seu melhor momento.
É então que um velho morador retorna, depois de passar anos no Canadá, jogando como profissional do hóquei. Agora treinador, o sujeito está incumbido de levantar o time e reconquistar a honra dos jogadores e de toda a cidade. O peso é enorme: negócios quebrarão, pessoas ficarão desempregadas e famílias ruirão caso o time não conquiste o campeonato. Tudo corre um risco ainda maior quando um dos jogadores abusa sexualmente de uma menina.
Beartown acerta ao desenvolver os personagens antes de tudo
Com isso, o grande acerto de Beartown é não fazer do estupro um espetáculo, ou então resumir toda a sua história e seus personagens neste crime. Não há mistério a ser resolvido: a barbárie acontece e não dúvidas quanto a isso. São os desdobramentos do ato que sacodem a vida de todos. Desta forma, o primeiro capítulo e boa parte do segundo são voltados a desenvolver os diversos personagens e estabelecer a relação de dependência da cidade para com o esporte.
Neste viés, as partidas de hóquei são divertidas e belissimamente orquestradas. Com isso, parece que Beartown caminha para ser realmente uma espécie de Friday Night Lights sueca: positiva, com alguns dramas, mas leve. Não demora, entretanto, para o lado escuro da cidade e seus habitantes aparecer. E neste sentido a abordagem do roteiro é excelente, pois jamais banaliza seus personagens. Mágoas e segredos abundam em pessoas complexas. Ainda que alguns sejam relegados ao papel de pequenos vilões insuportáveis (praticamente todos os pais dos jogadores), o texto faz um ótimo trabalho ao criar camadas verossímeis para sua galera de personagens.
Além de roteiro, série é um espetáculo visual
Assim, fica até difícil de definir o protagonista da série. Seria o treinador ou sua filha? O craque do time ou seu pai violento? Todos têm espaço para crescer e no vai e vem de acusações, segredos e pecados Beartown, série e cidade, se desenrolam como um imperdível estudo de uma sociedade egoísta, fragilizada por bobagens e resistente a absurdos. Neste sentido, vale apontar, o talento do elenco, majoritariamente desconhecido pelo público americano. A intérprete de Maya, em especial, merece elogios por carregar grande parte da carga dramática da história.
Logo, muitos dos motivos para o elenco funcionar se dão graças à direção de Peter Grönlund. Desconhecido até então, o diretor merece ganhar a indústria do Cinema e da TV. Pelo que revela em Beartown, trata-se de um cineasta de mão cheia. Suas partidas de hóquei são enérgicas e bem filmadas (tudo com bom uso da edição). Além disso, Grönlund usa e abusa das paisagens gélidas, aproveitando cada locação para criar belos quadros e sequências.
Neste aspecto vale elogiar outros aspectos técnicos que completar o surpreendente pacote de Beartown. A fotografia, que aproveita o contraste das indústrias com o gelo branco, estabelece a cidade como um misto interessante de pureza e mistério. Ao passo que parece um lugar puro e natural, é, também, uma cidade suja, coberta por fumaça e bosques escuros e tomados por neve. Para completar, a trilha sonora dá o tom invernal exato, salientando o espírito do local e seus moradores.
Surpreendente, série chega semanalmente na HBO e HBO Go
Beartown é, portanto, uma das maiores surpresas dos últimos meses. Disponível semanalmente na HBO Go, a série merece ser descoberta pelo público e pelos prêmios. Há muito para ser visto e debatido aqui. O grande acerto do show, no fim, é não cair na armadilha do preto e branco. As pessoas vagam em tons cinzentos, entre extremos. É por isso que é tão importante o desenvolvimento inicial dos personagens antes do crime. Assim, conhecemos e nos afeiçoamos por aquelas pessoas – até mesmo pelo criminoso. O próprio dilema central suscita discussões: um crime pode colocar todo o futuro de uma cidade em risco?
Desta forma, ao ser tão detalhista e bem escrita, Beartown nos obriga a pensar e levar diversos pontos em consideração. Este não é um suspense de investigação, ou um drama de intrigas. É o retrato real de uma dor que só pode gerar mais dor e sofrimento.