Crítica: 2ª temporada de The OA é criativa e inacreditável

The OA é a série mais criativa e corajosa desde a estreia de The Leftovers. Assim como a série da HBO, OA abraça o que é estranho e "deixa o mistério ser", sem muito se preocupar em sempre deixar o sentido transparecer ou manter a audiência confortável.

Estranha, corajosa e diferente de tudo que você já viu: The OA está de volta

O último episódio de The OA chega ao fim. Numa melodia de percussão, palmas e vozes, a temporada encerra com diversas perguntas respondidas e outras várias propostas. Do lado de cá da tela, volto à realidade (qual realidade?) dividido. Seria The OA e, principalmente, seu final, uma prova de genialidade ou apenas um exercício de auto-indulgência? Na profusão de dúvidas, suposições e sentimentos, a única certeza é que a série é uma das produções mais corajosas da TV atual (se não mais). Grande parte deste crédito vai para a Netflix, que permite o desenvolvimento de um projeto como este; outra parte vai para a dupla de criadores, Zal Batmanglij e, principalmente, Brit Marling, o corpo e a alma de The OA.

Depois de dois anos de hiato, a segunda parte do ousado projeto chega à plataforma rodeado de expectativa. Não parece, mas The OA foi uma das séries que ajudou na criação da Netflix enquanto marca. Lançado em 2016, o programa arrebatou o público e sedimentou os rumos daquela que hoje é uma das maiores produtoras de conteúdo do mundo. Sendo impossível de descrever ou resumir, a segunda temporada começa basicamente de onde o primeiro ano acabou. Desta vez, contudo, estamos em outra dimensão.

Segunda temporada é um animal completamente diferente

A parte 2 já subverte as vontades do público ao inserir personagens novos e demorar a revistar os antigos. Além disso, a trama nos joga no meio de uma série de problemas que parecem impossíveis de responder. Ao invés de começarmos a conhecer algumas repostas, temos que abraçar mais uma porção de perguntas. Não que isso seja um problema, pois a série precisa restabelecer o universo. Para os mais afoitos, entretanto, a falta de recompensa pode ser enlouquecedora.

Logo de início, é possível confirmar o que já vinha sendo proposto pelos roteiristas em entrevistas, vídeos e textos de divulgação. A segunda parte de The OA é um animal completamente diferente. Encaradas e realizadas como se fossem um longo filme, cada temporada tem a sua própria personalidade e a sua próprias lógica visual e narrativa. Desta vez, há um mergulho muito maior na ficção científica, bem como em viagens filosóficas que beiram o psicodelismo. Não que o segundo ano seja mais abstrato que o primeiro; de certo ponto de vista, a nova temporada é muito mais direta e acessível do que a primeira parcela de episódios.

Respostas são dadas e novas questões levantadas

Em outras palavras, a primeira temporada era mais dúbia e provocava mais. A segunda, sem forçar, já responde alguns questionamentos básicos, o que tira um pouco do brilho e da aura de mistério. Sim, estamos falando de dimensões e realidades paralelas. E, com isso posto, resta pouco da dualidade e do peso da dúvida vistos no ano de estreia. Pois se antes sequer tínhamos certeza da honestidade de Prairie, agora sabemos que tudo era verdade.

The OA, contudo, não é simplória, e jamais entrega suas respostas de forma fácil ou explícita. Fica clara a relação entre Hap e Rachel, por exemplo, que era sugerida na temporada passada. A questão dos livros, comprados por OA ou plantados na casa, também é resolvida rapidamente e sem muito alarde. Os roteiristas têm tanto domínio e envolvimento com relação à narrativa e seus personagens, que sabem que muito será discutido e respondido de forma orgânica, apenas deixando que a história se desvele.

Let the mystery be

Neste sentido, The OA é a série mais criativa e corajosa desde a estreia de The Leftovers. Assim como a série da HBO, OA abraça o que é estranho e “deixa o mistério ser”, sem muito se preocupar em sempre deixar o sentido transparecer ou manter a audiência confortável. Não que o roteiro tente ser mais esperto do que é ou, pior, force um intelectualismo inacessível; o que se vê no segundo ano é o total equilíbrio e domínio dos roteiristas acerca de sua criação. Eles sabem para onde querem ir, e o caminho é lindo e a chegada arrebatadora.

É por isso que voltamos a apontar Zal Batmangij e, principalmente, Brit Marling como duas das mentes criativas mais interessantes da indústria no momento. Marling, que construiu uma carreira embasada no realismo fantástico, já dividiu a criação com Zal em outras produções. E os anos de parceria revelam um alinhamento invejável de dois talentos no auge de suas faculdades. Enquanto Marling escreve e ainda dá vida à série através de uma atuação sensível, Batmanglij amadurece e surpreende na cadeira de diretor. Dominando ainda mais a câmera e o que quer mostrar enquanto cotador de histórias, Zal revela muito através de sua lente. Aqui, a imagem conta uma história própria que, em comunhão ao texto e à música, criam um mosaico envolvente de pura criatividade inteligente.

O roteiro não quer contar uma história da forma mais difícil possível, mas da forma mais livre

Engana-se quem encara algumas decisões como exibicionistas ou sem fundamento. Usar o já famoso polvo gigante não é uma maluquice. Mas uma forma de contar uma história visual da forma mais inventiva possível. O mesmo acontece com a sequência da árvore, cujas raízes envolvem a protagonista. Trata-se de um visual arrebatador e lúdico que ajuda a entender as ideias da narrativa. Além de criar uma ótima lógica visual através de árvores e raízes espalhadas pelos capítulos (o “quebra-cabeças” de cerâmicas no chão da casa misteriosa forma o miolo de um caule).

Nem tudo é ouro, e a segunda temporada fica devendo em alguns aspectos. Para os fãs da primeira temporada, a nova empreitada pode ser um banho de água fria. Além de se distanciar ao máximo do cenário e da abordagem do primeiro ano, a segunda parte dedica pouco tempo aos queridos personagens antigos. Steve, BBA, Buck e os demais pouco têm a oferecer de verdade à trama central, que funciona quase que inteiramente na dimensão onde se encontram Prairie, Hap, Homer e o detetive Karim. Estruturalmente, o roteiro tenta alternar entre os núcleos, assim como fez na primeira temporada. Mas a diferença é gritante e os personagens do primeiro ano acabam ofuscados.

Alguns bons personagens não recebem o desenvolvimento ideal

Além disso, os roteiristas perdem a chance de resgatar personagens como Elias, o agente do FBI que desempenhou papel importante anteriormente, mas agora é totalmente subaproveitado. O mesmo serve para a família adotiva de Prairie e basicamente todos os demais elementos da dimensão “original”. Além disso, parece que falta tempo para desenvolver e costurar todos os elementos propostos. E por mais que tenhamos uma terceira temporada em breve, muita coisa fica suspense ou deixada de lado. Os personagens de Zendaya e Vincent Kartheiser (o poderoso Pierre Ruskin) renderiam diversas cenas e um desenvolvimento maior e mais detalhados. Mas surgem e somem sem o devido cuidado. Ao chegarmos no capítulo final, cheios de perguntas e anseios, é um tanto decepcionante que tudo se resolva em pouco mais de quarenta minutos.

Ainda assim, a resolução é satisfatória, mas deixa as percepções divididas: os minutos finais parecem geniais, mas também podem surgir como uma auto-indulgência repreensível. As posições nas quais os personagens se encontram, numa corajosa decisão metalinguística, explodem a cabeça. Mas precisam ser analisadas de forma fria e direta. Trata-se, novamente, de uma ideia corajosa, tão louca que pode colocar tudo a perder, mas tão deliciosa que merece uma chance de crescer.

Novos ares. Novas perspectivas. Nova temporada, por favor.

De todo modo, são pecados pequenos se comparados ao quado geral. Assim, ainda que perca um pouco do brilho da temporada inicial, a segunda parte ganha força em outros elementos, se transformando em uma criatura muito maior e distinta. É preciso encarar o novo ano como os criadores propuseram: novos ares, novas perspectivas. Além disso, é preciso engolir os absurdos (e a série é cheia deles) e o tom pretensioso (principalmente no final). Pois não há nada de errado em loucuras e pretensão. The OA veio para jogar diferente, ao seu próprio modo. E isso garantiu experiências únicas e recompensadoras. Torcemos para que continue garantindo.

Sobre o autor
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Matheus Pereira

Jornalista, curioso e viciado em cultura. Escreve há quase 10 anos no Mix e Six Feet Under é sua série favorita.

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