Crítica: Hollywood, série da Netflix, destacou os anos de ouro do cinema
Crítica da primeira temporada da série original da Netflix, Hollywood, criada e produzida pelo roteirista Ryan Murphy. Sem Spoilers.
Nada de novo com o trabalho de Ryan Murphy em Hollywood
Estreou neste primeiro de maio a nova série de Ryan Murphy pela Netflix, Hollywood. Para quem conhece seu trabalho como criador e roteirista de séries como Glee, Pose, The Politician, entre tantas outras, é normal esperar que o texto e a fotografia de algo que venha dele seja, audacioso e com foco na diversidade.
Bem, apesar de ser uma série que se passa em um período extremamente conservador e com valores com base no preconceito e sociedade patriarcal, Murphy conseguiu impor seu tom mostrando que em qualquer sociedade, tudo que é proibido e oprimido, acontecerá bem debaixo do nariz de todos.
E ainda, que sempre terão pessoas dispostas a tentar mudar o inaceitável.
Tempo de mudança em Hollywood
Historicamente falando, o cinema sempre foi a arte que inspirava e ditava a linha de vida que muitos queriam seguir. Os padrões que a comunidade deveria aceitar bem como os paradigmas que deviam ser quebrados. Na série, podemos perceber como tudo isso é voltado para o retorno comercial.
Um local como o ACE Studios, por muitas vezes contratava pessoas consideradas “padrão de beleza” sem nem se importar com a qualidade da atuação. É nesse cenário na década de 40, logo após o término da segunda guerra, que a série se passa.
Temos personagens considerados bem clichês, como o Jack Castello (David Corenswet). Ele é o marido que voltou da guerra e sonha em ser ator. No entanto, não tem nenhuma vocação para isso – exceto pelo fato de ser branco, porte atlético e ter um rosto de um herói americano. A história de Jack é o fio condutor para entrarmos no mundo da indústria cinematográfica.
Precisando de dinheiro e sem conseguir nem uma ponta como figurante sem falas, ele é aliciado por um dono de posto de gasolina, Ernie (Dylan McDermott), que além de encher tanques, também provêm serviços especiais para alguns fregueses. A primeiro momento, Jack se recusa a usar seu corpo. Mas dinheiro é dinheiro e ele tem uma esposa grávida de gêmeos para cuidar, ou seja, óbvio que ele cede.
Preconceitos não velados
Esse posto de gasolina atende a muitas figuras de Hollywood. Principalmente, pessoas que precisam separar quem são de verdade dos personagens que criaram para exibirem frente aos holofotes. Por se passar em uma década tão distante, ser gay era (e ainda é) um risco de vida, podendo sofrer até um espancamento, se alguém apenas suspeitasse.
E é assim que conhecemos o personagem Archie (Jeremy Pope). Ele, além de ser gay, também é negro. E sabemos que trata-se de uma época que eram considerados inaptos a terem empregos e cargos importantes só pelo fato da sua raça.
Archie se junta a a Jack no posto, enquanto envia via correio seu roteiro para a ACE, sendo surpreendido por ter seu roteiro aprovado para produzir, mas que sofre a discriminação esperada logo que descobrem que ele é negro.
Outra que sofre por ter nascida negra é a atriz Camille (Laura Harrier), que só tem papéis de empregada, mesmo sendo reconhecida como uma mulher bela e ótima atriz. Mas tudo muda quando seu namorado, Raymond Ainsley (Darren Criss) é escalado pela ACE Studios para dirigir um filme.
Raymond batalha pela mudança na indústria cinematográfica, querendo que pessoas de outras etnias possam atuar em papéis de destaque, sendo assim, ele luta para que Camille seja a atriz principal de seu filme.
O verdadeiro teste do sofá
A série mexe muito com o lado do aliciamento de pessoas em troca de oportunidades. O famoso teste do sofá. Avis Amberg (Patti LuPone) é esposa do dono da ACE Studios e também uma cliente fiel de Jack Castello, colocando-o como um dos contratados do estúdio, só por gostar do garotão.
Além dela, temos o Henry Wilson, um personagem que existiu na vida real e aqui é interpretado magistralmente por Jim Parsons. Henry Wilson foi um importante agente de talentos na era de ouro de Hollywood, bastante conhecido por criar estrelas de cinema masculinas, em troca de favores sexuais. O personagem gosta de ter o poder sobre as pessoas, de ser responsável por quem será famoso e quem cairá no ostracismo. Tanto que o vemos surtar quando Jack se nega a ter um momento íntimo com ele, causando gritos de ódio e promessa de que irá acabar com a sua carreira.
Hollywood é uma aula de história e de cinema
Para assistir a série, tem de ter em mente que ela não trará mistérios e que te deixará curioso para assistir o episódio seguinte. Hollywood é realmente uma carta de amor a indústria e a tudo que foi especulado e descoberto durante todos os anos. Além disso, é uma obra que pode matar nossa curiosidade e aumentar nossa imaginação de como as estrelas se tornaram icônicas.
Os episódios mostram testes, leituras de roteiro, rivalidades e batalhas nos bastidores. Coisas que nós sabemos que existem hoje em dia, mas que numa época onde os preconceitos falavam mais alto do que as habilidades, acaba por se tornar um lição sobre dívidas históricas que existem até hoje.
O elenco é quase uma galáxia de tantas estrelas. São tantos atores famosos como Joe Mantello, Samara Weaving, Rob Reiner, Holland Taylor, entre tantos outros, que seria errado não falar que as atuações são o que mais te prende na série.
Pela primeira vez na vida, eu posso dizer que todos os personagens, desde os principais, até os coadjuvantes, com menos falas, são carismáticos e profundos. E tudo isso, graças aos atores que os interpretam. A série se vale bastante disso para prender sua atenção, mesmo quando o enredo acaba se tornando maçante por não ter nenhuma reviravolta.
Realidade e ficção juntos em Hollywood
A mistura de ficção com realidade, trazendo personagens que realmente existiram, como Rock Hudson (Jake Picking) que foi um ícone para a indústria e um dos primeiros a ser atribuído como “gay enrustido” publicamente, faz com que a série tenha um toque de realismo delicado, mas com interação com a ficção, já que Hudson se apaixona por Archie na série.
O cinema foi responsável por incitar muitas tendências, dentre elas, a diversidade e a inclusão. Neste sentido, a série acerta em cheio em mostrar que o que se via nas telas, não era real.
Hollywood foi concebida como minissérie, ou seja, terá apenas uma temporada. Mas devido a qualidade da produção e do nome forte de Ryan Murphy, não me surpreenderia se renovassem para uma segunda temporada, usando o argumento de ser uma antologia. Afinal, esse universo ainda tem muitas histórias para serem contadas. (saiba mais desta possibilidade na matérias do Mix).
Todos os episódios de Hollywood estão disponíveis na Netflix.