Crítica: The Boys é uma das melhores e mais relevantes séries de 2019

The Boys chega às telas com a proposta de entreter, satirizar e ainda colocar a mão na consciência. Tudo no mais alto nível técnico e narrativo.

The Boys traz ação, humor. muita sensibilidade e consciência social.

Ninguém esperava que uma das séries mais relevantes e conscientes do ano seria uma com super-heróis e violência explícita. Não que o gênero não consiga ou possa trazer temas importantes para a mesa, mas o senso crítico e o faro social geralmente chegam em dramalhões mais tradicionais. The Boys, novo projeto original do Amazon Prime, chega às telas com a proposta de entreter, satirizar a indústria e ainda colocar a mão na consciência. Tudo no mais alto nível técnico e narrativo, transformando esta numa das maiores surpresas de 2019.

Na trama, o mundo vive com a presença de pessoas super-poderosas. Seja um homem invisível, o mais rápido, o mais forte ou o mais elástico, o que se vê é uma variedade enorme de super-humanos. Mas o mundo não é a utopia vista nos quadrinhos e filmes, onde o herói é íntegro e a maldade vem apenas dos vilões. Imagine que as pessoas comuns do seu dia a dia tivessem poderes. O sujeito babaca do trabalho, a vizinha venenosa, o parente grosseiro. Aqui, a grande maioria dos poderosos são imbecis egocêntricos, mentirosos compulsivos que abusam dos poderes em benefício próprio. É uma leitura sincera do que aconteceria caso sobre-humanos surgissem na nossa sociedade atual.

Na organização dos poderosos há a corporação Vought e na linha de frente Os Sete, que são, presumivelmente, os mais poderosos do mundo. Movimentando bilhões e bilhões de dólares, a indústria dos heróis se mistura com negócios, política e religião. Mas há gente que não simpatiza com os “novos salvadores” e decide dar o troco em quem sai da linha: os rapazes, The Boys. 

Sátira é um dos pontos fortes, mas o destaque é o debate político e religioso

A série começa acertando na sátira precisa que direciona à indústria de adoração que a sociedade nutre por super-heróis e produtos derivados. Em vários momentos vemos personagens discutindo novos filmes, produtos e ideias, além de estarem constantemente preocupados com o índice de aprovação de cada herói. Além disso, cada personagem é um deboche específico para determinado herói. O Homelander, por exemplo, é um claro aceno ao Capitão América, com sua falsa integridade e ufanismo intragável.

Ainda assim, The Boys cresce de verdade ao mergulhar ao encarar o discurso político e religioso. Uma das maiores tramas da temporada é a tentativa da Vought e dos heróis para que estes atuem num nível militar, protegendo fronteiras e atuando em qualquer área sem restrições. A atuação irrestrita dos heróis traz, claro, mais dinheiro e reconhecimento ao grupo, ma também acarreta eventuais crises internacionais. Cria-se, então, uma tensão entre os heróis e o governo americano, que precisa aprovar a emenda proposta pelos super-humanos.

Além disso, como não poderia deixar de ser, os “heróis” se aliam à Igreja. Formando um aliança ainda mais poderosa, o objetivo é o mesmo: ter mais poderes e levar o discurso conservador à população. Pois os super-heróis vistos aqui são contra o casamento gay, aborto, sexo antes do casamento, imigração, etc. The Boys, portanto, merece vastos elogios pela coragem em criticar a Igreja de forma tão direta, além dos conservadores ultrapassados. Para melhorar, o roteiro ainda não soa didático ou panfletário, expondo suas ideias sempre de forma orgânica e lógica. Com isso, The Boys consegue apontar e criticar o avanço conservador e da extrema-direita no mundo todo.

Para completar, The Boys ainda surpreende no quesito técnico

Com belos efeitos visuais, a série conhece os próprios limites e trabalha com aquilo que consegue. Assim, não se vê efeitos em demasia, que prejudicam a experiência do público. Aqui, os efeitos são críveis e utilizados com inteligência. Além disso, a fotografia eleva o programa a níveis cinematográficos, dando um ar épico à produção. Para completar, o time de diretores faz um trabalho exemplar. Das sequências de ação (várias e excelentes) aos momentos mais calmos, tudo é conduzido com um notável controle de câmera, além de elogiável criatividade para construção de quadros e gags visuais.

No fim, os super-heróis de The Boys não estão tão longe de nossa realidade. Eles são Trump, Bolsonaro, Kim Jong-un, e tantos outros: homens pequenos com poderes demais. Ao ver o Homelander discursar ferozmente, explicitando seu poder e suas ideias, percebemos que não há chances. Trata-se de alguém que pode fazer o que quiser, simplesmente por ter muito poder e pouco limite. Nos dias de hoje, não é preciso ter capa para causar destruição ou salvação; basta ter uma caneta, uns botões e uma cadeira num posto de liderança.

Sobre o autor
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Matheus Pereira

Jornalista, curioso e viciado em cultura. Escreve há quase 10 anos no Mix e Six Feet Under é sua série favorita.

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