Crítica: Watchmen é mais um acerto absoluto da HBO
Watchmen, da HBO, atualiza narrativa dos vigilantes, adiciona comentários sociais atuais e capricha no visual, tornando-se uma das melhores estreias do ano.
Nova aposta da HBO tem tudo para se tornar inesquecível
Assistir ao piloto de uma série sempre é uma experiência interessante. Enquanto o capítulo se desenrola, não sabemos para onde aquela história vai nos levar e qual o apelo que ela terá entre o público. Acompanhar a estreia de um novo projeto é testemunhar o nascimento de algo que pode se tornar um sucesso cultural absoluto ou um programa fadado ao fracasso. É cedo para garantir o que Watchmen irá se tornar, mas durante o primeiro episódio o pensamento era de satisfação e de certeza: estamos em frente de um material de qualidade inquestionável e que certamente deixará algumas marcas no público.
Watchmen, assim como The Leftovers, outro projeto criado por Damon Lindelof, é daquelas séries criadas à base da meticulosidade. Como a máquina de um relógio que funciona com precisão, Watchmen acerta a cada segundo. Da brilhante sequência de tiroteio aos easter eggs escondidos nos cenários, tudo parece milimetricamente planejado para dar certo. Repare na cena em que as estrelas do céu se transformam em reflexos em uma superfície aquosa até acabar nos campos abertos ao redor de um castelo. Trata-se de uma simples ideia que demonstra planejamento prévio, execução irretocável (a edição merece aplausos) e reverência ao material original.
Watchmen não tem vergonha de suas origens
Pois Watchmen, ao contrário do que alguns poderiam imaginar, não tem vergonha de suas origens. Pelo contrário, o respeito pela HQ criada por Alan Moore e David Gibbons é absoluto. É explícita a paixão de Lindelof pelos quadrinhos que se tornaram a maior referência da área. A série de TV, portanto, é uma adaptação que não tem medo de suas raízes e abraça a mitologia com fervor, ao passo que investe em um visual estilizado que regularmente presta homenagens aos traços da graphic novel.
A série, contudo, não está na mesma esteira de adaptações hiper estilizadas como o filme de Zack Snyder e tantas outras originadas dos quadrinhos. O espírito está lá e o visual é fiel, mas trata-se de uma abordagem realista. Enquanto o Watchmen de Snyder (que é um excelente filme) adota uma fidelidade absoluta aos figurinos e cenários, a série de Lindelof parece mais calcada no mundo real. Os trajes dos vigilantes, por exemplo, são iguais aos da HQ, mas possuem uma textura mais crível. O “Vermelho”, por exemplo, come um lanche enquanto veste a máscara, que fica suja com farelos e recheio. Já o Looking Glass não tem receio em retirar sua bela máscara prateada assim que possível. No final, são pessoas completamente normais com uniformes e máscaras.
Atualização na história de Watchmen traz comentários sociais acalorados
E é aí que Watchmen ganha o coração dos fãs e do público em geral: os “heróis” vistos aqui não possuem superpoderes; eles sequer possuem força acima da média. A HQ de Moore e Gibbons tratava justamente isso: os vigilantes eram pessoas comuns que, em uma sociedade doente, assumiam o manto de heróis mascarados. E o roteiro de Lindelof é brilhante ao inserir novas ideias e conceitos a uma mitologia que já era inventiva. Na trama, que se passa 30 anos depois dos eventos vistos na HQ, os vigilantes ajudam a polícia, que também usa máscaras. Todos têm vidas normais, mas seguem em absoluto anonimato. O vigilante precisa ter um álibi consistente para explicar para onde vai, quando, na verdade, está lutando contra o crime.
Ao atualizar a narrativa, aliás, Lindelof traz o universo de Watchmen para o presente. Os comentários sociais e políticos são todos relevantes e vão dos maiores e mais claros aos menores. Os supremacistas brancos da Sétima Cavalaria são uma clara crítica à ala ultraconservadora que assola o mundo. Já a ideia das armas dos policiais que são apenas liberadas em casos de grande perigo e necessidade é um comentário menor, mas igualmente relevante. O mesmo acontece com a ideia do plano de governo que permite que os mais pobres fiquem isentos de alguns impostos, o que gera um conflito permanente na população. Logo, assim como a HQ, a série se passa em uma realidade alternativa, mas assustadoramente semelhante à nossa.
Let the mystery be
Tudo isso vem num pacote de mistérios e visual arrojado. Como sua criações anteriores comprovam, Lindelof é um sujeito que prefere deixar o mistério rolar. De Lost a The Leftovers, culminando agora em Watchmen, as perguntas abundam em seus roteiros. A série dos vigilantes não é difícil de entender ou acompanhar, mas tampouco faz paradas para expor os pormenores daquele universo. Não sabemos as identidades exatas de alguns personagens, muito menos a explicação para uma estranha chuva.
Caminhar nessa leve escuridão, entretanto, é uma das melhores característica da série, que instiga o espectador a pensar e a discutir os elementos visuais e narrativos. É por isso que afirmamos, no início deste texto, que Watchmen pode marcar o público: trata-se de um projeto que promete levantar discussões e não entregar respostas fáceis.
Em um piloto brilhantemente dirigido por Nicole Kassell, Watchmen já mostrou que é digna do título que carrega. Recheada de momentos impactantes (o interrogatório, o tiroteio) e intrigantes (os empregados no castelo, o homem na cadeira de rodas), a nova série da HBO prova que o canal ainda é garantia de excelência.
Irretocável sob o aspecto técnico (a direção, fotografia e, principalmente, edição merecem reconhecimento), a série ainda conta com uma excelente porção de atuações. De Regina King a Don Johnson, passando por Jeremy Irons e Tim Blake Nelson, Watchmen é daquelas novidades para se acompanhar de perto.