Crítica: A Escada traz crime real com qualidade inquestionável
A Escada é minissérie indispensável para fãs de séries sobre crimes reais. Direção e elenco garantem o selo de qualidade HBO.
Quando escrevi sobre The Staircase, documentário disponível na Netflix, em 2018, apontei os pilares que sustentam o formato documental. Neles, encontramos três tipos de discurso e três tipos de interpretação. No primeiro, temos o ponto de vista do diretor que comanda a obra. Em outro, temos o viés do entrevistado.
Por fim, temos o ponto da audiência. Todos podem estar em comum acordo, mas todos também podem divergir e tirar conclusões totalmente diferentes sobre a mesma coisa. Na ocasião, salientei que The Staircase era ótima, embora notavelmente parcial, pois A Escada, minissérie da HBO, traz uma nova leitura do mesmo caso. E, por mais que não seja um documentário, acaba entregando mais versões e possibilidades do que o projeto anterior.
Assim como na série documental, A Escada traz a história de Michael Peterson, um influente homem da política e dos negócios que acaba se envolvendo em um escândalo. Sua esposa é encontrada morta aos pés da escada de sua casa. Desesperado, ele liga para a emergência. Mas Peterson seria inocente ou teria envolvimento no estranho incidente? Marcas de sangue e no corpo da vítima indicam violência, mas alguma lacunas põem em dúvida a clareza da culpa. Na versão da HBO, o objetivo não são as respostas, mas as versões.
A Escada apresenta diferentes versões do mesmo caso
Criada por Antonio Campos, que passou anos obcecado pelo caso, A Escada reúne um elenco impecável para contemplar as nuances mais sinistras e duvidosas do incidente. Diretor interessado pelas origens da violência (são dele O Diabo de Cada Dia, com Tom Holland, e Christine, sobre jornalista que se mat*u ao vivo na TV), Campos explora tudo o que pode e chega ao ponto de encenar mais de uma vez a morte de Kathleen.
Em uma, vez o que supostamente acontece caso a queda tenha sido acidental. Em outra, vemos Peterson efetuando o crime. Campos dirige ambas com energia e impacto, incutindo a mesmíssima seriedade nas duas. Para o diretor, cada versão merece o mesmo cuidado e a mesma crença.
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Neste sentido, sua câmera é observacional. Ela olha de longe, mas não perde nenhum detalhe. Assim, a morte de Kathleen surge violenta em ambos os casos, e é preciso ter estômago para acompanhar as sequências que ocorrem basicamente em tempo real. Desta forma, A Escada parece entregar aquilo que o julgamento e diversos interessados pelo caso sempre quiseram: uma reconstituição cinematográfica, séria e imparcial das principais versões.
Um dos grandes acertos de A Escada é tratar do caso com respeito e jamais usar a morte de uma mulher como entretenimento. A sanguinolência de sua partida não é semente para fãs de horror, mas carrega a mesma frieza que um atestado especialista em um júri.
Colin Firth tem uma das melhores atuações de sua carreira
A Escada, entretanto, não é uma obra fria ou distante. Pelo contrário. Empática, é capaz de nos fazer sentir pena de Peterson mesmo que este seja culpado. Campos e sua minissérie não atestam que ele é inocente, mas permitem que ele surja como um ser humano. Neste caso, vale apontar, Colin Firth tem um de seus melhores trabalhos e dosa cada palavra e expressão de Michael com exatidão.
Assim, não podemos deixar de ter empatia quando ele surge sozinho, assustado e algemado em um corredor. Tampouco deixamos de ter medo quando ele surge ameaçador, gritando com os filhos ou impondo ordens à equipe de defesa.
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A minissérie, porém, não consegue achar o equilíbrio ideal para a personagem de Kathleen, interpretada por Toni Collette. Embora seja intenção da atriz e de Campos, Kathleen nunca passa de seu papel de vítima. Ainda que o roteiro tente lhe dar espaço e dimensão, há pouco a ser feito, já que sua existência na narrativa se resume basicamente a morrer e dar início a todo o drama.
Michael Stuhlbarg, por outro lado, prova mais uma vez ser o coadjuvante ideal para qualquer projeto. Além de uma semelhança assustadora com David Rudolf, Stuhlbarg emprega uma importante dualidade ao personagem. Jamais sabemos com certeza se o advogado acredita em seu cliente ou está interessado apenas no dinheiro e na fama de um caso gigantesco.
Amparado ainda por uma trilha sonora melancólica e que beira o épico, A Escada tem o selo HBO de qualidade e deve ser a última grande inclusão do próximo Emmy. Com mais episódios para serem lançados, a minissérie já se consagrou como um dos grandes programas do ano, principalmente depois do quarto capítulo, que trouxe um grande clímax ainda na metade do percurso.
Disponível na HBO Max e com novas partes a cada semana, A Escada é indispensável para os fãs do true crime e de bons dramas.
Nota: 4,5/5