Crítica: Leaving Neverland é documentário complexo e assustador sobre temas delicados

Crítica do documentário Leaving Neverland, produzido e exibido pela HBO.

Leaving Neverland vence o Emmy 2019 e Netflix domina categorias técnicas

Leaving Neverland é um documentário difícil de avaliar e digerir, e esta é uma de suas grandes qualidades

Leaving Neverland não é um documentário sobre Michael Jackson. É por isso que o título deste texto não leva o nome do cantor. Ao ouvir os relatos de dois homens que afirmam terem sidos abusados sexualmente por Jackson, o projeto exibido pela HBO toca em temas delicados com desdobramentos complexos e assustadores. Deixa de ser um estudo sobre um homem famoso e seus erros e passa a ser um intrincado ensaio sobre feridas que não curam e os reflexos de certos atos na vida de pessoas envolvidas em casos de abuso sexual.

Para começar, é preciso enxergar Leaving Neverland com olhar crítico, levando-se em conta diversos fatores históricos e morais. Poucas produções mexem tanto com os instintos, concepções e vidas humanas como esta lançada pela HBO. Não podemos cair na armadilha, portanto, de enxergar o projeto como entretenimento, tampouco devemos julgar o que é certo, errado, verdade ou mentira na densa rede de informações fornecidas.

O objetivo não é criar um monstro

Isto posto, o melhor a fazer é entender que o objetivo do documentário não é demonizar Michael Jackson. Ao contrário do que muitos podem pensar, o projeto não é um assassinato de reputação. Embora as conclusões do documentário acusem o cantor, as implicações são mais complicadas do que isso. Como tudo na vida, não há preto no branco. As pessoas e as ações existem em uma densa área cinzenta, e extremismos não funcionam na interpretação.

Neste sentido, Leaving Neverland não pinta Michael Jackson como um monstro, mas como um ser humano trágico. Sua imagem e sua história não são tratadas com frieza. Jackson não é o predador sexual dos filmes e séries criminais. Os diretores possuem sensibilidade suficiente para entender que o possível responsável por atos tão reprováveis, também é um homem repleto de tormentos.

Não é caso de justificar o injustificável

Ademais, é perfeitamente possível e aceitável se sensibilizar pela solidão e pela vida turbulenta de Jackson, ao mesmo tempo em que suas ações são condenáveis. Os responsáveis pelo documentário, contudo, são hábeis ao não permitir que a humanização de Jackson afete as acusações. Não há aqui uma tola tentativa de justificar o injustificável. Não é porque uma pessoa sofre que ela deve ou pode imprimir sofrimento em outra pessoa.

A linha entre a condenação e a humanização, contudo, é tênue, e Leaving Neverland vai dividir o público

Alguns acreditarão cegamente em Michael Jackson, enquanto outros defenderão as vítimas. Haverão aqueles em total conflito, assim como muitos preferirão não assistir o que o documentário tem a dizer. Não é nosso papel apontar o caminho das pedras e amarrar um julgamento final. Enquanto peça televisiva e documentário, entretanto, Leaving Neverland é altamente recomendado. Independente do seu ponto de vista acerca do caso central enquanto espectador, o trabalho de pesquisa é elogiável, bem como a qualidade da produção. Ainda assim, é importante buscar o próprio material de apoio, tanto relacionado a outras vítimas quanto à defesa de Michael Jackson. O documentário aborda muita coisa, mas também deixa várias outras de fora.

No fim, vale a pena assistir Leaving Neverland mesmo que você não acredite nas vítimas, ou mesmo que não suporte a imagem de Michael Jackson. Trata-se de um projeto necessário para o debate atual, para entendermos e discutirmos uma série de questões. O peso das mentiras, das verdades escondidas, da presença da mídia e o peso de um ícone. Neverland muitas vezes pincela e toca em pontos sem saber, mas que funcionam. É uma obra assustadora, rica em ideias e questionamentos.

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Sobre o autor
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Matheus Pereira

Jornalista, curioso e viciado em cultura. Escreve há quase 10 anos no Mix e Six Feet Under é sua série favorita.

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