Crítica: Ruptura é uma série que conquista com roteiro inteligente

Ruptura é um dos sucessos mais surpreendentes do ano, e deve fazer bonito nos prêmios. Belo visual e trama intrigante garantem o espetáculo.

Ruptura

Grandes projetos já nasceram e fizeram sucessos baseados em uma boa ideia. Uma boa premissa é o suficiente para que muita gente resolva assistir a um filme ou série.

Ter uma boa ideia, entretanto, não é grande coisa. O mistério e o milagre é saber o que fazer com este ponto de partida. Difícil mesmo é fazer este primeiro passo se transformar em uma prestigiada maratona. É transformar a semente em árvore e dar frutos. Ruptura (Severance) da Apple TV+ é um belo exemplo de premissa inventiva que vive muito além de seu conceito original.

Na trama, Mark é um dedicado funcionário de uma estranha empresa. Seu trabalho é buscar elementos incomuns em uma série de dados aparentemente intraduzíveis. Fora do emprego, Mark é um homem apático e solitário que não tem muito o que fazer ou oferecer.

Até aqui a história parece bem simplória, certo? A diferença é que a empresa na qual Mark trabalha desenvolve uma tecnologia que a pessoa tem duas vidas totalmente separadas. Quando a pessoa está em casa, ela não tem lembranças ou noção alguma do trabalho. Já na empresa, não se tem memórias de casa.

Questionamentos fervem em trama intrigante de Ruptura (Severance)

Como uma boa premissa deve fazer, uma nova problemática surge da ideia inicial. Primeiro, porque uma empresa quer que um funcionário não se lembre do trabalho quando estiver fora do emprego? A busca pela produtividade não parece o principal motivo quando pensamos que a Lumen Industries tem muito a esconder. Neste sentido, Ruptura propõe, já de início, uma série de questionamentos e debates válidos e atuais.

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Assim, não deixa de ser uma feliz coincidência que a série tenha sido lançada em período pandêmico. Em uma época em que as relações de trabalho são distorcidas, esticadas e readaptadas a novas formas e pessoas, Ruptura ganha contornos ainda mais assustadores.

Na era do home-office, onde acaba a vida pessoal e começa o trabalho? Além disso, quem somos sem o nosso emprego? Ou pior: o que nos tornamos por causa do nosso trabalho? O quanto carregamos de nossas vivências pessoais para dentro da nossa carreira? Com a mecanização do trabalho e o incentivo cada vez mais firme contra o pensamento crítico, ser um boneco vazio nas operações parece o projeto ideal para o mercado.

Série é sucesso surpreendente na AppleTV+

Criada por Dan Erikson, que não possui crédito algum no currículo, Ruptura tem direção de Ben Stiller e o melhor formato para seu tipo de argumento: o lançamento semanal. O Mix de Séries tem trazido este assunto com frequência, pois é um dos grandes temas da TV atualmente. Tem ficado cada vez mais latente a importância de se debater o formato de lançamento e distribuição das séries.

Ruptura (Severance) é mais um programa que se beneficia imensamente do formato semanal. A prova disso, por exemplo, é o lançamento modesto do projeto, que ganhou tração com o passar do tempo e acabou se tornando um sucesso inesperado de público e crítica. Hoje, então, Ruptura é uma das séries mais buscadas da internet e uma das favoritas ao próximo Emmy.

E a série merece. Já renovada para a segunda temporada, Ruptura tem grandes chances de ser indicada a Melhor Drama, Ator (para Adam Scott) e Roteiro. Uma das melhores características da série, contudo, é a direção precisa de Ben Stiller. Diretor experiente, Stiller emprega uma rigidez estética belíssima, que bebe claramente nas fontes de Mr. Robot.

Dos enquadramentos ao ritmo, Ruptura busca uma estranheza através do visual e quer contar uma história com imagens, sem entregar todas as surpresas através de diálogo. Assim, o diretor é esperto ao trazer a vida real sempre apática e gélida, cercada de neve, enquanto o trabalho surge opressor, de ângulos retos e cores firmes, embora limitadas. Ao enquadrar seus personagens isolados em cantos do frame, por exemplo, Stiller deixa claro o peso sob os ombros daquelas pessoas e o vazio que os acolhe.

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Na linha de frente, um elenco competente abraça o desafio. Adam Scott tem a chance de sua carreira e entrega uma performance calibrada em detalhes. Sua tarefa é difícil, pois Mark é, basicamente, dois personagens em um. Sem exagerar, contudo, Scott consegue criar dois perfis distintos do mesmo homem, mas deixando claro que o cerne é o mesmo.

John Turturro, um ator frequentemente subestimado, é outro que brilha sempre que aparece. Quando interage com Christopher Walken, então, a dupla explode. A relação entre os dois personagens, aliás, é uma das coisas mais bacanas de Ruptura.

Enfim, belissimamente fotografada e narrativamente intrigante, Ruptura é, ao lado de Pachinko, uma das maiores surpresas de 2022.

Nota: 4/5

Sobre o autor
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Matheus Pereira

Jornalista, curioso e viciado em cultura. Escreve há quase 10 anos no Mix e Six Feet Under é sua série favorita.

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