Homem-Aranha: Sem Volta para Casa | Crítica
Crítica sem spoilers do filme Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa, que traz o Cabeça de Teia lutando com vilões do Multiverso.
A Sony Pictures e a Marvel Studios são os únicos estúdios com potencial de fazer o público levantar da poltrona, abandonar os serviços de streaming e pagar por uma experiência nos cinemas. Não à toa, o novo capítulo dessa franquia, Homem-Aranha: Sem Volta para Casa, já tem projeções de uma abertura doméstica que beira os U$ 175 milhões, podendo ser o primeiro filme a passar a marca de U$ 1 bilhão num período de pós-pandemia.
A verdade é que, enquanto muitos tentam emplacar novas franquias com reboots, remakes e resequels, os detentores das propriedades intelectuais da Casa das Ideias estão nadando de braçada. E isso é fruto do ótimo trabalho de Kevin Feige, que arquitetou o seu próprio universo cinematográfico. Mas não antes de vivenciar e aprender com as primeiras produções do Século XXI; o atual Presidente da Marvel Studios foi produtor executivo em X-Men, de Bryan Singer, e na primeira trilogia do Homem-Aranha, de Sam Raimi.
Esses 20 anos de impacto na cultura mundial fizeram os personagens coloridos das páginas de quadrinhos estamparem camisetas e outdoors. O mundo de super-heróis, antes debochado, agora está enraizado na memória das gerações que pegavam fila nas bilheterias e corriam para pegar o melhor lugar do cinema. Bem como também dentro do coração das mais novas; e é essa mescla de experiências e nostalgia que torna Homem-Aranha: Sem Volta para Casa tão especial e tão comentado. Mas tudo tem um custo…
Sinopse de Homem-Aranha: Sem Volta para Casa
Homem-Aranha: Sem Volta para Casa começa exatamente onde Longe de Casa terminou. Peter Parker (Tom Holland) precisa lidar com as consequências de sua identidade sendo revelada ao mundo e como isso afeta as pessoas que ama. O garoto pede ajuda ao Doutor Estranho (Benedict Cumberbatch), em uma tentativa desesperada de ter a sua vida antiga de volta. Mas não esperava que os riscos se tornariam ainda maiores com o advento de vilões de outros universos.
Agora, cabe a Peter Parker, Michelle Jones (Zendaya) e Ned Leeds (Jacob Batalon) se unirem para evitar uma catástrofe com proporções de quebrar o multiverso.
A trilogia de Jon Watts
Jon Watts, posteriormente conhecido por A Viatura (2015) e uma série de videoclipes, assume a direção mais uma vez. E, assim, conclui sua trilogia com muitos altos e baixos. A fragilidade do diretor continua evidente, mesmo camuflada pela ótima fotografia de Mauro Fiore (ganhador do Oscar por Avatar, de James Cameron).
O salto de qualidade na cinematografia é gigantesco, e o que antes era visualmente genérico, passou a ganhar um pouco de identidade e brilho. Ressalto: um pouco. Depois de assistir sua terceira passagem no comando do personagem, eu ainda não consigo descrever qual é a sua marca. Ou ainda, o que o torna merecedor de estar naquela posição. Poderia ser qualquer um e não haveria diferença.
Não me leve a mal, mas foi Sam Raimi quem colocou parâmetros muito altos para serem superados. Jon Watts ainda tentou se inspirar no estilo do criador de The Evil Dead (1981). Logo, trouxe os seus característicos zooms que, na trilogia estrelada por Tobey Maguire, conseguiam acentuar momentos cômicos, momentos onde o diretor trazia sua essência do gênero de terror ou quando mesclava os dois. Sam Raimi tem uma direção mais energética e criativa, enquanto Watts sofre até para homenageá-lo. Algo que acontece em De Volta ao Lar com John Hughes, que só trouxe mesmo o material publicitário. Talvez a solução mais interessante do diretor tenha sido na abordagem do sentido-aranha, utilizando o dolly zoom. Tal técnica consiste em aumentar ou diminuir o alcance da lente enquanto se aproxima do objeto em foco. Nada novo para o cinema, porém satisfatório quando bem colocado.
Simples soluções, grandes recompensas…
O roteiro assinado por Chris McKenna e Erik Sommers, mesma dupla que trabalhou em Homem-Formiga e a Vespa (2018) e Jumanji: Bem-Vindo à Selva (2017), era um motivo de preocupação e se tornou um alívio. O texto de Homem-Aranha: Sem Volta para Casa é simples, conciso e responsável por todas engrenagens se movimentarem com fluidez. Está longe de ser perfeito – e talvez nem queira ou precise ser. A proposta dessa obra vai além de um habitual blockbuster, onde o principal propósito é contar uma boa história e prender a atenção do público.
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Aqui, o roteiro precisa fazer concessões. E toma ciência de suas falhas que vão desde as soluções modestas, dos diálogos expositivos e até a falta de desenvolvimento de personagens secundários. Chris e Erik sabiam da dificuldade de falar sobre crise de identidade. Além disso, encaixa-lo num contexto de multiverso, ainda mais com as idas e vindas sobre qual seria a história contada no filme. Inicialmente, a ideia de Jon Watts envolvia o vilão Kraven, depois mudou para a qual está hoje sendo exibida nos cinemas. Apesar das turbulências, o saldo é positivo. E a sensação é de quase uma súplica “Por favor, eleve a sua suspensão de descrença, não se importe com os detalhes e confie: você será recompensado” – e fomos.
A recompensa começa quando a trama avança. Então, ela se torna mais interessante com a introdução dos vilões, a ponto de deixar alguns olhos esbugalhados e outros, como foi com os meus, marejados. Doutor Octopus (Alfred Molina) e o Duende Verde (Willem Dafoe) são os destaques do filme. Mesmo que mais de uma década tenha passado, suas interpretações continuam majestosas e seus personagens parecem ter sido transportados diretamente dos filmes de Sam Raimi. Electro, de Jaime Foxx, por exemplo, tem mais tempo de tela que o Lagarto de Rhys Ifans e o Homem-Areia de Thomas Haden Church. No entanto, continua superficial e sem muito apelo. É algo que se espera com o excesso de vilões, mas como eu disse anteriormente: são os sacrifícios do roteiro.
A transformação do Amigo da Vizinhança
O Homem-Aranha de Tom Holland passa por uma transformação brutal e que merece elogios. Peter Parker foi criado para ser um personagem relacionável e que transcende gerações. Só que a maneira como ele foi retratado em seus últimos filmes (principalmente em Longe de Casa), fez muitos fãs torcerem o nariz. Veja bem, Peter comete erros. Contudo, seus erros precisam ser parte de uma progressão pessoal, íntima e dentro do que o tornou tão amado e popular.
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Em Sem Volta para Casa, portanto, esses erros dialogam com a persona criada por Stan Lee e Steve Ditko e trazem o cerne da dualidade entre Peter Parker e Homem-Aranha: consequências. Me questiono se os produtores, roteiristas e o próprio diretor ouviram essas críticas para assinalar cada um desses pontos negativos, mas ouvindo ou não, eles corrigiram e estabeleceram uma história de origem do Homem-Aranha. Ironicamente, Peter Parker fica numa posição muito similar a versão vivida por Tobey Maguire, o que pode ser desaprovado pelas pessoas que gostavam do clima descompromissado e, além disso, de toda baboseira com o Homem de Ferro.
Então, no fim do dia, Homem-Aranha: Sem Volta para Casa vai despertar nos fãs do Cabeça-de-Teia a sensação de um abraço e calor no peito. E ainda, nenhum dos pontos negativos fará diferença quando os momentos de histeria coletiva chegarem – e nem devem fazer. O estro da Sony Pictures e da Marvel Studios é de acalentar o coração fazendo os desejos mais inalcançáveis se tornarem realidade. “Primeiro, atacamos o coração”, a frase dita pelo Duende Verde em 2002 resume bem a experiência de assistir esse filme. Mais do que uma história de duas horas e vinte e tantos minutos, o sentimento predominante é o de celebração a um legado encarnado por outros rostos e vozes, mas também com espaço para sonhar e ter esperança com o futuro.
Nota: 4/5
Nota do crítico:
“O portal Mix de Séries, assim como outros portais e eu, crítico de cinema independente, não fomos convidados pela Sony Pictures Brasil para a cabine de imprensa de Homem-Aranha: Sem Volta para Casa. Por escolha do estúdio, que priorizou a escolha de influenciadores que não se relacionam ao meio do entretenimento, a crítica foi postada após a estreia do filme.
É uma infelicidade que as assessorias de imprensa não saibam a diferença entre um profissional especializado e influenciadores digitais e ainda nomeiem a sessão como cabine de imprensa. Que imprensa é essa? Infelizmente, o reflexo do cinema contemporâneo também está atingindo os bastidores dos estúdios e suas tomadas de decisão. Poucos falam disso, talvez por medo de perderem relacionamento e nunca mais poderem trabalhar com críticas de forma antecipada.
Mas um relacionamento deve ser recíproco, não? E no campo profissional, mais do que isso: imparcial. De panelas, esse meio se tornou mais povoado que o armário da minha cozinha. Talvez a crítica de cinema venha perdendo o seu valor, e de uma forma ampla, como diria Moniz Vianna, “Para quê crítica de cinema hoje? (…) O crítico é essencial para que a arte prossiga, mas essa arte que está aí hoje não precisa de crítica”.“