Seven Seconds põe o dedo na ferida ao falar sobre racismo e violência policial
Crítica da primeira temporada de Seven Seconds, nova série da Netflix
Nova série da Netflix debate temas atuais no mundo inteiro
“Eles vão te ferrar por Ferguson, Chicago, Baltimore. Por cada policial branco que já matou um garoto negro”, diz o policial Mike DiAngelo (David Lyons, de Revolution) para o recém chegado na Divisão de Narcóticos da Polícia de New Jersey, Peter Jablonski (Beau Knapp, de Shots Fired).
Sem maiores rodeios, a nova antologia criminal da Netflix, Seven Seconds, entrega o seu maior objetivo: cutucar algumas das maiores feridas americanas (hoje mais abertas do que nunca diante da administração Trump): o racismo e a violência policial.
A frase é dita logo no episódio piloto da série criada por Veena Sud, o nome por trás de The Killing. As cidades citadas por DiAngelo tiveram suas Polícias investigadas pelo governo dos Estados Unidos sob acusações de racismo e uso excessivo da força contra a população negra.
É também no primeiro episódio, logo nos primeiros minutos, que nós somos apresentados ao epicentro da trama. Enquanto dirigia rumo ao hospital para encontrar a esposa grávida, o policial Peter Jablonski atropela o adolescente que andava de bicicleta pelo parque coberto de neve. Em choque, ele pede ajuda aos colegas de farda.
Diante da emergência, o grupo resolve acobertar o crime e abandonam Brenton Butler em uma vala. A decisão tomada de forma fria, e (mal) calculada, transformaria a vida de cada um dos envolvidos a partir daí.
Brenton é filho único de Latrice (a formidável Regina King, de American Crime) e Isaiah Butler (Russell Hornsby, de Grimm): pais trabalhadores e devotos que acabaram de comprar uma casa fora dos conjuntos habitacionais populares – os famosos “projects” – com o objetivo de deixar Brenton longe de qualquer influência das gangues que ali atuam.
Trama se utiliza da dúvida para entreter
A partir daí o mistério e a dúvida dominam o clima de Seven Seconds. Brenton vai sobreviver? Os culpados serão encontrados? O que Brenton fazia no parque?
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Essas e outras perguntas serão respondidas ao longo dos 10 episódios de quase uma hora cada. A maior parte delas serão feitas pela promotora KJ Harper (Clare-Hope Ashitey, de Shots Fired) e seu improvável novo parceiro, o detetive Joe ‘Fish’ Rinaldi (Michael Mosley, de Sirens). Os dois são encarregados de desvendar o caso que, para eles mesmos, aparenta ser mais uma corriqueira execução de um membro de gangue.
KJ – que tem esse nome para não ser vítima do sexismo da sociedade e não ter nenhuma oportunidade negada apenas pelo seu gênero – é uma mulher negra de origem rica e que enfrenta sérios problemas com álcool, chegando a ir trabalhar ainda sob o efeito da droga. Fish também aparenta um passado problemático e é novo da delegacia, onde ninguém parece lhe levar a sério.
Aqui o espectador se pergunta se os dois profissionais serão capazes de levar adiante a investigação e solucionar o crime que nós já sabemos quem cometeu.
A trama ganha ares de um jogo de gato e rato.
De um lado, uma família em luto e exigindo justiça. Do outro, policiais corruptos atrapalhando a investigação, que toma grandes proporções por conta do clamor social, da intensa cobertura jornalística do caso, e de uma campanha política para Procurador da cidade.
É se aproveitando do recurso da “dúvida”, que Seven Seconds apresenta personagens interessantíssimos. Evitando os clichês maniqueístas, cada personagem parece esconder algo. Ninguém é totalmente correto, nem totalmente maquiavélico. Até os detetives responsáveis pelo crime aparecem sendo consumidos pela culpa e pelo medo. Enquanto membros da família Brenton tentam esconder segredos e revelam facetas não tão apropriadas para uma família cristã/protestante.
A atuação de Regina King é memorável, e rouba a cena. Ela incorpora uma mãe-leoa, totalmente despedaçada por perder seu filho, mas que ainda assim consegue reunir forças para lutar. Russell Hornsby, coadjuvante em Grimm, o ator cresce na pele de um pai culpado por ser ausente e duro demais com o filho. Destaque também para o mal explorado Raúl Castillo (de Atypical e Looking) que vive um dos detetives envolvidos no crime que tem dificuldades para esconder o terrível segredo.
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Série aborda outros temas sociais
A justiça é lenta, nós sabemos. Mas o ritmo de alguns episódios tornam a série arrastada e, muitas vezes, andando em círculos. O que ainda empodera Seven Seconds e a salva de ser um fracasso, são os ricos e comoventes discursos sobre temas. Além do racismo e da violência policial, fala-se sobre machismo, homofobia (em um plot promissor porém mal aproveitado), dependência química e até sobre o tratamento do país com seus veteranos de guerra.
Apesar do erros de execução, a experiência de assistir Seven Seconds é válida e recomendável. Os fãs de American Crime, The Night Of e The Sinner poderão encontrar alguma semelhança na nova aposta da Netflix que encerra sua história criminal nos tribunais de maneira coerente com o mundo real, mas que pode não agradar a todos.